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Ilusão por inteiro

SP veta projeto que extinguia meia-entrada, política pública carente de lógica

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Fila em cinema de São Paulo - Gabriel Cabral - 18.fev.20/Folhapress

Ainda não foi desta vez que todos os paulistas ganharam direito à meia-entrada. O deputado estadual Carlão Pignatari (PSDB), na capacidade de governador em exercício, vetou integralmente um projeto de lei que fora aprovado pela Assembleia estendendo o benefício a todas as pessoas entre 0 e 99 anos.

A proposta, de autoria do deputado Arthur do Val (Patriota), tem dois problemas. O primeiro é a escolha das idades. Há indivíduos com mais de 99 anos que frequentam espetáculos culturais e não há nenhuma razão objetiva para excluí-los do desconto.

O esquecimento não traz consequências, porém, dado que o Estatuto do Idoso garante a meia para todos aqueles com mais de 60 anos.

O segundo defeito —uma redação desastrada— resultou em danos mais graves. O projeto contém dispositivos que contrariam a legislação federal sobre a matéria, o que serviu de pretexto para Pignatari vetá-lo por inteiro.

A meia-entrada, como facilmente se deveria perceber, contém um erro de lógica como pressuposto. Não faz sentido a lei determinar um desconto quando a fixação do preço é totalmente livre. O que a norma basicamente faz é estabelecer um jogo de ilusionismos.

Pagam meia hoje menores de 12 anos, estudantes de todas as idades, jovens carentes de 15 a 29 anos e maiores de 60 anos —isso pelas leis federais. Estados e municípios têm legislações próprias, que não raro concedem o benefício a outros estratos, como professores, servidores, portadores de moléstias graves, doadores de sangue, membros de sindicatos.

Como o empresário sabe de antemão que terá de vender muitas entradas com desconto, fixa o preço-base num valor maior do que estabeleceria caso a regra não existisse.

O fato de a meia-entrada ser ilusória não significa que não cause danos. Para os que não se enquadram em nenhuma categoria contemplada pela legislação, o custo de seu lazer se torna mais salgado.

A meia corporifica outros vícios nacionais, como a tendência dos políticos a fazer bondades com o bolso alheio, jogos de compadrio (durante um tempo, apenas a UNE e congêneres puderam emitir as carteirinhas de estudante) e os subsídios cruzados mal focados (estudantes ricos são beneficiados; adultos pobres pagam o dobro).

O ideal seria que os deputados paulistas derrubassem o veto, mas parece pouco provável que isso ocorra. Ilusões são poderosas.

editoriais@grupofolha.com.br

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