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Guilherme Grané Diniz

Os fiéis, as igrejas e o papel político dos evangélicos

Atuação pode melhorar a vida de alguns, mas isso é apenas a metade da história

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Guilherme Grané Diniz

Professor na Escola Paulista de Direito, é doutorando em Filosofia em cotutela na Universidade de São Paulo e na Sorbonne Université (Paris)

Em ensaio recente publicado nesta Folha ("Por que os evangélicos importam", 8/11), Juliano Spyer relembra alguns aspectos de seus estudos realizados entre 2013 e 2014 (e publicados em livro no ano passado). Spyer argumenta que, no estudo do evangelicalismo, é necessário irmos além de certos estereótipos e lugares-comuns. Sobretudo aqueles que veem os evangélicos simplesmente como reacionários ou obscurantistas. Isso deve ser feito no interesse da democracia: reconhecer corretamente e dialogar com as parcelas mais progressistas do eleitorado evangélico será relevante na disputa eleitoral do ano que vem.

O argumento de Spyer parece, em partes, acertado. Sobretudo, não me parece que possamos negar os dados que Spyer levanta. Ele aponta —certamente poderíamos pensar em ainda mais exemplos— como a atuação das Igrejas evangélicas pode ter impactos positivos na vida dos indivíduos em campos diversos como saúde, educação, finanças pessoais e mesmo relações de gênero. Spyer peca, não pela falsidade, mas pela incompletude do quadro que traça. Pois, em contraposição aos exemplos de benfeitorias individuais, podemos facilmente lembrar de alguns de intervenções públicas que apontam em outro sentido.

Para ficarmos em apenas dois campos mencionados no artigo, falemos da política de saúde e do empoderamento feminino. Seria fácil fazermos todo um texto só com referências a palavras e ações de religiosos negando a pandemia e desincentivando a tomada de ações sanitárias técnicas para combatê-la.

Podemos lembrar nota de 18 de março de 2020 do deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM), então líder da Frente Parlamentar Evangélica, na qual pedia a reabertura de templos e serviços religiosos. Esse discurso prontamente foi endossado por Jair Bolsonaro, e sua conexão com os resultados catastróficos da pandemia ficaram explícitos com a CPI da Covid, recém-encerrada. Sobre as políticas referentes à situação da mulher, igualmente, vemos a adoção de medidas que diretamente contradizem padrões científicos. É o caso da proposta —ainda não concretizada— da pastora e ministra Damares Alves sobre a inclusão da abstinência sexual como política de educação sexual. Seu apelo religioso é evidente, assim como sua ineficácia na prevenção do controle da transmissão de ISTs e gravidezes. Isso significa que serão políticas de reduzida eficácia, vulnerabilizando ainda mais uma população já terrivelmente vulnerável.

O que Spyer não parece contar, então, é o porquê dessas populações se encontrarem em uma situação de precariedade. Um dos fatores (certamente não o único) são os próprios evangélicos, que são figuras chave na construção de políticas públicas que depredam a qualidade de vida da população evangélica mais pobre. Se é verdade que a atuação pontual das igrejas pode causar melhoras na vida de alguns indivíduos, essa é apenas a metade da história. É preciso levar em conta que a outra metade —a criação das condições a melhorar— também se passa dentro da igreja.

Enfim, os evangélicos importam, como propõe Spyer? Certamente que sim! É acertada a ideia de que, muitas vezes, existe má vontade e preconceito contra os evangélicos, sobretudo contra aqueles que compõem a demografia que o autor estuda e discute. No entanto, uma coisa é nos importarmos com as necessidades e com a atuação individual dos fiéis; outra coisa é o trabalho institucional e o interesse político das igrejas: devemos ver como um grave problema que a boa vontade privada das igrejas substitua políticas públicas, quando são as próprias representações evangélicas parcialmente responsáveis pelo fato que essas políticas públicas venham a faltar.

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