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Juliano Spyer

Por que os evangélicos importam

Conversão indica melhora real na condição de vida dos brasileiros pobres

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Juliano Spyer

Antropólogo, é doutor pela University College London e autor de “Povo de Deus - Quem são os evangélicos e por que eles importam” (ed. Geração 2020)

Em abril de 2013 me mudei para um bairro na "periferia da periferia" de Salvador para fazer 18 meses de pesquisa de campo como parte de um projeto de doutorado. Meus vizinhos eram predominantemente babás, pedreiros, vigias, motoristas, cozinheiros e faxineiros que tinham ensino fundamental incompleto.
Algumas dificuldades cotidianas incluem ser atendido no posto de saúde, aberto apenas durante o dia.

Para consultas com médicos especialistas, o morador viaja 80 km até o hospital mais próximo e, em emergências, vizinhos com carro se envolvem porque o serviço de ambulância é ineficiente.

A escola estadual de ensino médio fechou durante meses porque o governo parou de pagar a empresa que terceiriza o serviço de limpeza.

O policiamento irregular melhorou um pouco depois que um empresário local cedeu o espaço para montar um posto policial local.

O antropólogo Juliano Spyer - Zanone Fraissat - 27.out.21/Folhapress

Mas o maior problema do bairro, segundo os moradores, é a falta de atividades no período do contraturno escolar. Crianças e adolescentes ficam sem supervisão e sem ter o que fazer enquanto seus pais trabalham. Conforme o antropólogo Mauricio de Almeida Prado sintetizou: nesses lugares onde a presença fraca do Estado causa tantas dificuldades, a igreja evangélica funciona como uma espécie de estado de bem-estar social informal.

Se alguém fica doente, perde o emprego, tem problemas com a lei, precisa ser internado em clínica de desintoxicação, entre outros problemas comuns, recorre às redes de ajudas mútuas das igrejas.

Por isso, a literatura antropológica e sociológica sobre o assunto aponta que a conversão ao cristianismo evangélico melhora a condição de vida dos brasileiros pobres. E são melhoras reais, conforme os exemplos a seguir indicam.

O número de episódios de violência doméstica relacionado a alcoolismo cai após a conversão porque o fiel precisa abandonar o consumo de álcool e drogas para ser batizado.

Igrejas também oferecem atividades diárias, além de cultos e escolas dominicais, como aulas de música e de dança, que atraem crianças e adolescentes que passam parte do dia desassistidos. Algumas igrejas têm creches e mesmo escolas próprias.

Como o protestante deve saber ler a Bíblia, algumas igrejas disponibilizam cursos de alfabetização de adultos ou encorajam os fieis a voltar a estudar. A familiaridade com a leitura melhora a empregabilidade e facilita a bancarização.

Evangélicos são recorrentemente descritos como machistas porque a Bíblia defende que a mulher seja submissa à vontade do marido. Esse argumento desconsidera o empoderamento que resulta da limitação imposta aos homens, que deixam de frequentar bares, gastar com bebidas e manter relacionamentos paralelos. A economia vai para a reforma da casa e para pagar planos de saúde e transporte para filhos e filhas estudarem em escolas melhores, mas distantes.

O evangélico também é acusado constantemente de ser individualista e de não fazer caridade. Mas, para se avaliar isso, é importante entender que, para protestantes, a melhor maneira de fazer o bem ao próximo é pela conversão. Dar o prato de comida prolonga, em vez de resolver o problema; a pessoa precisa querer transformar seus hábitos, e adotar a rotina da igreja ajuda com que isso aconteça. Por isso, evangélicos atuam com força junto a detentos e sem-teto das cracolândias.

Por esses e outros motivos, evangélicos representavam 5% dos brasileiros, segundo o Censo de 1970, e hoje são um terço da população e serão a maioria dos brasileiros daqui a dez anos, de acordo com projeções estatísticas.

Meu objetivo não é diminuir a importância dos muitos desafios que o crescimento exponencial do cristianismo evangélico produz. Mas, enquanto intelectuais e formadores de opinião definirem o evangélico progressista como aquele que defende a legalização da maconha e do aborto, não haverá diálogo com a maior parte dos mais dos 60 milhões de evangélicos no país.

Se a definição de evangélico progressista incluir aqueles favoráveis a melhorar a qualidade do ensino público, combater a corrupção e promover a justiça social, o número de evangélicos progressistas será muito maior. Está em jogo o resultado da eleição do ano que vem.

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