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Tiago Resende Botelho

Pouca diversidade na OAB

Ordem elegeu apenas cinco mulheres para a presidência de seccionais

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Tiago Resende Botelho

Advogado e doutor em direito (PUC-PR), é professor e coordenador do curso de direito da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados); presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB Subseção Dourados/Itaporã (MS)

O findar do ano pandêmico de 2020 trouxe, ao menos à Ordem dos Advogados do Brasil, esperanças democráticas. A luta pelo direito à igualdade racial e de gênero na política interna ganhou contornos práticos. Pela primeira vez após 91 anos de sua existência e depois de muita luta de advogadas e advogados negras e negros, o Conselho Pleno aprovou, por unanimidade, a paridade de gênero de 50% e as cotas raciais para negros no percentual de 30% a partir das eleições de 2021.

Entre as várias fundamentações que sustentaram tal vitória, uma é incontestável: a constatada ausência histórica de mulheres e negros nos cargos de tomada de decisão da OAB. Indo além, em seu histórico nunca uma mulher ou um preto presidiu a instituição em nível nacional. A realidade estadual é, também, dramática, pois, somando os dados de presidentes de seccionais em 26 estados e no Distrito Federal, desde sua criação até 2021, ano do último pleito, foram eleitos em torno de 659 homens e apenas 22 mulheres. Imperioso destacar que, a respeito da eleição de 2018, nenhuma mulher foi eleita presidenta de seccional da OAB.

A advogada e professora Patricia Vanzolini, eleita presidente da OAB-SP, será a primeira mulher a comandar a entidade - Rubens Cavallari/Folhapress

Tais dados ganham ainda mais relevo ao serem confrontados. Segundo a OAB, de um total de 1.238.119 inscritos em 2021, existem 622.891 advogadas e 615.228 advogados. Os números, por si sós, expressam uma vitória das mulheres, pois a advocacia, por séculos, foi profissão de homens. Ao mesmo tempo, escancaram os desafios que enfrentam, uma vez que, mesmo sendo maioria, são alijadas dos espaços de poder e de comando.

A eleição de 2021 da OAB é por si só uma vitória democrática, pois a instituição obrigou-se a incluir na sua estrutura burocrática mulheres e negros. Essa não é qualquer conquista. É a consolidação da própria finalidade da instituição, que estabelece em seu estatuto defender a Constituição, os direitos humanos e a justiça social.

Todavia, o racismo e o machismo são práticas estruturantes e institucionalizadas no Brasil. A OAB não está isenta de tais práticas, mesmo avançando e passando a adotar políticas antidiscriminatórias. O resultado da eleição de 2021, apesar de todos os pontos positivos exaltados, mostra o distanciamento da concretização da democracia racial e de gênero. O pleito iniciou com 28 pré-candidatas à presidência de seccionais, mas apenas 22 registraram suas candidaturas em 15 estados e no DF. Sendo assim, em 11 estados brasileiros não se tinha a opção de votar em uma mulher.

Das 22 candidatas, foram eleitas presidentas de seccionais: Daniela Borges (Bahia), Cláudia Prudêncio (Santa Catarina), Marilena Winter (Paraná), Patrícia Vanzolini (São Paulo) e Gisela Cardoso (Mato Grosso).

Ao mesmo tempo em que a advocacia tem dificuldade em eleger mulher presidenta de seccional, na via inversa, no cargo de suplência, torna-se estratégico aos candidatos e, agora, presidente eleitos, que tenham advogadas na chapa, em especial no ano de implementação da paridade de gênero. Assim, em 2021, figuram como vice-presidentas 22 advogadas em 21 estados e no DF.

Em resumo, assumirão o pleito de presidentes de seccionais 22 homens e apenas 5 mulheres. Sendo que dos 5 estados, exceto Mato Grosso, pela primeira vez na história tiveram candidatas e presidentas eleitas.

A análise da questão racial é infinitamente pior, pois a ausência de dados compilados pela instituição dificulta a compreensão e reforça o racismo estrutural e institucional. Entre as conquistas dos advogados negros e negras está a realização de um censo da advocacia. Quanto ao pleito de 2021, possível constatar de forma preliminar que não há nenhum presidente preto e que três se autodeclararam pardos.

No ano de implementação da paridade de gênero e das cotas raciais, a advocacia brasileira se mostra pouco sensível à temática e segue elegendo, em nível estadual, representantes homens brancos ao cargo máximo da instituição. Isso, por óbvio, dificulta ainda mais a chegada de uma mulher e um negro à Diretoria do Conselho Federal da OAB, uma vez que a escolha do cargo máximo não ocorre pelo voto direto dos advogados, mas pelos 81 conselheiros federais. Em um universo masculino e branco, os requisitos exigidos para viabilizar a candidatura feminina e negra tornam-se empecilhos quase intransponíveis.

Nesse cenário, a paridade de gênero e as cotas raciais ganham ainda mais força e sentido de existência, mas, ao mesmo tempo, mostram-se como o primeiro passo de uma longa jornada que a classe terá que enfrentar na luta pela igualdade de gênero e racial junto à Ordem das Advogadas e dos Advogados do Brasil.

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