Eleições da OAB veem avanço na presença de mulheres, em meio a drible a cotas raciais

Apesar de entraves, inclusão de mulheres aumenta, enquanto diversidade racial enfrenta mais resistência

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Mogi das Cruzes (SP) e São Paulo

Nas primeiras eleições da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) com cotas para mulheres e pessoas negras, os efeitos de cada medida sobre a composição da entidade no próximo triênio deverão ser bastante distintos, com mais obstáculos para a advocacia negra.

Enquanto a paridade de gênero, de 50%, vale inclusive para a diretoria, as cotas de 30% para negros, que inicialmente também eram para postos de comando, sofreram um drible em agosto e ficaram restritas apenas à composição geral da chapa.

Pelo país, há 22 mulheres disputando a presidência das seccionais, o que representa 27% do total de candidaturas. Em 2018, eram apenas oito, 11% do quadro geral.

Em São Paulo, de cinco candidatos à presidência, duas são mulheres. Em 2018, os cinco postulantes eram homens. Nenhuma das chapas, contudo, é liderada por uma pessoa negra.

Os candidatos à Presidência da OAB-SP. Da esquerda para direita: Alfredo Scaff, Caio Augusto Silva dos Santos, Dora Cavalcanti, Mário de Oliveira Filho e Patrícia Vanzolini. Santos é presidente da seccional e tenta a reeleição
Os candidatos à Presidência da OAB-SP; da esquerda para direita: Alfredo Scaff, Caio Augusto Silva dos Santos, Dora Cavalcanti, Mário de Oliveira Filho e Patrícia Vanzolini - Marlene Bergamo e Zanone Fraissat/Folhapress e Divulgação

Parte da advocacia negra critica a inexistência de regras para fiscalização do cumprimento das cotas.

Para Estevão Silva, presidente da Associação Nacional da Advocacia Negra (Anan), o regimento da entidade deixou muitas coisas em aberto, ignorando a experiência das universidades, que já demonstrava que a autodeclaração racial precisa ser fiscalizada.

"Mais uma vez a OAB demonstrou nitidamente como é o racismo estrutural e como ele funciona", diz. "Ao mesmo tempo em que ela deferiu as cotas, ela colocou muitos entraves para essas cotas serem efetivadas."

Neste mês, a poucas semanas das eleições, o Conselho Federal —em resposta a uma consulta de outra seccional— recomendou a criação de comissões para avaliar as autodeclarações, que deveriam observar o fenótipo (aparência) da pessoa e não o genótipo (descendência).

O presidente da Comissão Eleitoral da OAB-SP, Leandro Piccino, diz que não seria possível executar a medida nestas eleições, já que ela não estava prevista nas regras eleitorais ou no edital de convocação.

Na disputa paulista, a advogada Lazara Carvalho, vice de Dora Cavalcanti, assinou pedidos de impugnações por possíveis fraudes às cotas raciais ​contra as chapas de Caio Augusto Silva dos Santos —atual presidente e candidato à reeleição; Mário de Oliveira Filho e Patrícia Vanzonlini. As solicitações, porém, foram arquivadas sem análise do mérito.

"O Conselho Federal não previu nenhum tipo de critério para impugnações das autodeclarações", disse Piccino.

Leandro Petrim, advogado da chapa de Santos, diz que, dos seis nomes questionados, dois não faziam parte da cota e não tinham preenchido a ficha de autodeclaração, mas cometeram um erro ao assinarem a ficha de autorização, o que foi corrigido.

Sobre os outros quatro nomes, afirma: "eles se autodeclaram, eles têm histórico familiar, social, eles sentem as agruras do racismo. Eles têm questões pessoais que os fazem se autodeclarar".

A chapa de Oliveira enviou documento em que defendeu, à comissão eleitoral, a questão da descendência de familiares negros em contraposição a características físicas (fenótipo). A chapa substituiu quatro dos candidatos questionados e afirma que assim a "impugnação perdeu o seu objeto".

Das duas pessoas mantidas, dizem que uma não tinha enviado a autodeclaração e a outra está identificada como parda na certidão de nascimento.

Já Ricardo Vita Porto, coordenador jurídico da campanha de Vanzolini, diz que a impugnação teve "objetivos meramente eleitoreiros" e que apenas uma, das cinco pessoas citadas, estava sendo contabilizada nas cotas, mas já não integra a chapa.

"Ela preferiu desistir, porque se viu absolutamente constrangida. É uma pessoa visivelmente parda com todas as características físicas", diz. Além disso, afirma que pessoas não contabilizadas nas cotas "equivocadamente preencheram" a autodeclaração.

Lazara rechaça as críticas de que a medida tenha tido intuito eleitoral. "Nosso objetivo não é criminalizar a advocacia, as pessoas, mas que fosse observado pela OAB que precisa ter o critério da banca de aferição".

A Anan criou uma comissão especial para monitorar as candidaturas negras pelo país. A advogada Camila Carvalho, que integra a comissão, diz que foram recebidas mais de 200 denúncias de fraudes às cotas.

"Talvez para as próximas eleições a gente consiga melhorar essa questão, se a comissão de heteroidentificação estiver efetiva desde o início", afirma.

Em relação à paridade, há avanços, como a presença de duas chapas lideradas por mulheres em seis seccionais, além de chapas femininas, com presidente e vice mulheres, em quatro. O predomínio, porém, segue masculino. Mato Grosso do Sul é o único estado que elas são maioria na disputa.

Para a presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB Nacional, Daniela Borges, que é conselheira federal pela Bahia e candidata no estado, independentemente do resultado das eleições, a paridade em si já é transformadora, mas é preciso esperar os resultados.

"Tem um aumento do número de candidaturas femininas de maneira geral no Brasil todo, mas é o resultado das eleições que vão determinar se, de fato, teremos mais mulheres presidentes de seccionais."

Atualmente todos os 27 presidentes de seccionais são homens. Nos 90 anos da OAB, apenas 10 mulheres ganharam eleições estaduais. No âmbito nacional isso nunca ocorreu.

Em São Paulo, as indicações para diretorias também aumentaram, com 14 mulheres, enquanto em 2018 eram dez.

Já em relação às candidaturas a conselheiro federal titular, com exceção da chapa de Oliveira, todas as outras quatro chapas possuem dois homens e apenas uma mulher. Ainda assim, o número é o dobro de 2018, eram três mulheres e agora são seis.

Um entrave a uma maior inclusão feminina é que a OAB tem entendido que a paridade deve ser seguida de forma literal, ou seja, o número de mulheres não poderia ultrapassar o de homens.

Segundo Oliveira, tal interpretação fez com que ele alterasse a composição de sua chapa. "Selecionei cem mulheres e ligamos para a comissão. ‘Temos cem mulheres num conselho de 160. Pode ser assim?’ ‘Não, não pode’", conta ter ouvido.

Piccino, da Comissão Eleitoral da OAB-SP, confirma a orientação. "Isso está contido no próprio regulamento geral da OAB, que diz que as chapas concorrentes devem observar a paridade de gênero."

Situação semelhante aconteceu em Santa Catarina. A chapa de Vivian De Gann, que registrou 51 mulheres e 42 homens na composição, foi impugnada pela candidata Claudia Prudêncio. O pedido foi aceito pela comissão eleitoral e Vivian teve que retirar cinco mulheres para validar o registro.

"Não é só uma decepção. É uma indignação de se verificar que uma legislação interna da própria OAB, que veio para fazer uma inclusão das mulheres, acaba sendo interpretada em prejuízo", disse à Folha.

Ela acrescenta que esperava que fosse seguida a interpretação do STF em ações sobre cotas, tratando o percentual como piso.

Para Daniela Borges, da comissão da mulher, a paridade deveria ser interpretada de modo a garantir a maior inclusão possível.

Saiba quem são os candidatos à OAB-SP

Alfredo Scaff, 51
Formado em direito pela PUCCAMP (Pontifícia Universidade Católica de Campinas). Atua na área de consultoria jurídica e de relações governamentais. É candidato às eleições da OAB pela primeira vez.

Caio Augusto Silva dos Santos, 46
Mestre em direito constitucional e graduação pela Instituição Toledo de Ensino (Bauru). É presidente da OAB-SP desde 2019. Foi secretário geral da OAB-SP por dois mandatos, de 2013 a 2018, e antes integrou a subseção de Bauru.

Dora Cavalcanti, 50
Formada pela Faculdade de Direito da USP. Advogada criminalista, conselheira do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), uma das fundadoras do Innocence Project Brasil e integrante do Grupo Prerrogativas. É candidata pela primeira vez

Mário de Oliveira Filho, 68
Formado em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É advogado criminalista e atuou na Lava Jato. Fez parte como conselheiro da OAB-SP de seis gestões não consecutivas

Patricia Vanzolini, 49
Possui graduação, mestrado e doutorado em direito pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo. É advogada criminalista e professora na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Em 2018, concorreu à vice-presidência da OAB-SP

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