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Kim Kataguiri e Luiz Felipe Panelli

A duvidosa primavera chilena

Retórica inflamada em prol de um Estado inchado será enorme retrocesso

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Kim Kataguiri

Deputado federal (DEM-SP) e membro do MBL (Movimento Brasil Livre)

Luiz Felipe Panelli

Doutor em direito do Estado (PUC-SP) e membro do MBL

O processo constituinte e as eleições no Chile estão deixando a esquerda em êxtase. A narrativa da esquerda diz que o povo chileno acordou do transe e resolveu exercer seu poder constituinte, fazendo uma nova Constituição radicalmente diferente da herdada por Pinochet e seus economistas neoliberais. O país se livrará da mácula da previdência privada, que empurrou idosos à pobreza, e garantirá serviços gratuitos a todos.

Coroando a primavera chilena, o segundo turno das eleições presidenciais, neste domingo (19), pode levar ao poder um jovem socialista, que implementará uma agenda de reformas, fechando o fosso social. É a aurora de uma era.

A leitura da esquerda é, evidentemente, equivocada. O seu único acerto é a condenação de Pinochet. Não se deve tolerar violações a direitos humanos —e, aqui, é impossível não lembrar que a esquerda sempre elogiou regimes autoritários, desde que simpáticos aos seus ideais. A marca da direita democrática, por sua vez, deve ser a rejeição total ao autoritarismo. Não se transige com violação de direitos humanos, ponto final.

Para além da condenação do autoritarismo, o resto da análise da esquerda é ficção. O Chile é um país infinitamente mais próspero que seus vizinhos. A Argentina abraçou o populismo, com péssimos resultados. O Brasil é um país estrangulado pela burocracia estatal e incapaz de crescer. A Venezuela só é um país digno de elogios por quem coloca suas taras ideológicas acima de qualquer análise objetiva.

O Chile, por outro lado, adotou medidas de ortodoxia econômica que o levou a ser o país com o melhor desenvolvimento social da América Latina. Evidentemente, há problemas. Os idosos têm razão em protestar contra uma aposentadoria insuficiente; da mesma forma, é necessário que seja garantido aos mais pobres ainda mais acesso aos serviços sociais. Um país próspero não abandona ninguém.

Tais problemas poderiam ser resolvidos por reformas, mas o povo chileno resolveu exercer o seu poder constituinte, o que é uma opção legítima, já que o povo é o único detentor de tal poder. Adotar, porém, uma retórica inflamada em prol de um Estado inchado e que tudo deve prover gratuitamente dará ao Chile uma ordem constitucional —e, consequentemente, indicadores econômicos e sociais— mais parecida com a de seus vizinhos. Será um enorme retrocesso.

Convém perguntar se os analistas de esquerda que louvam a "primavera chilena" estão interessados no bem-estar do povo chileno —e o bem-estar de qualquer povo depende da prosperidade econômica— ou só querem usar o processo constituinte para emplacar sua narrativa de derrota do "modelo neoliberal", mesmo que à custa da prosperidade econômica que marcou o Chile como exceção na América Latina.

Desejamos ao povo chileno sorte no seu legítimo exercício do poder constituinte, mas, acima de tudo, desejamos que o exerça com cautela. Basta de aventuras populistas na América Latina.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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