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Gabriel Brasil

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Debate eleitoral deve considerar agenda ambiental como retomada econômica

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Gabriel Brasil

Economista e analista de risco político, é mestre em economia política internacional pela USP

Dada a gravidade, as crises de saúde, de economia e de energia têm dominado o debate político. Ao inaugurarmos, no último outubro, o ano pré-eleições, seria de se esperar que esses temas dominassem também o debate eleitoral. Ocorre que, a eles, é preciso adicionar a crise climática —transversal a todas as outras. Como reforçou o tenebroso relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, divulgado em agosto, e as discussões da COP26, em Glasgow, temos pressa —e não há escolha.

Por isso, devemos adicionar ao nosso senso de urgência uma agenda de combate ao aquecimento global —que, embora ainda soe como um tema do futuro por aqui, exige de nós mobilização imediata. Trata-se do maior desafio que a humanidade já terá enfrentado e que provavelmente terá o Brasil no seu centro: tanto entre as nações que mais podem contribuir para enfrentá-lo, como entre as que mais devem ser impactadas, dadas suas particularidades geográficas e seus retumbantes níveis de desigualdade.

É importante que isso nos assuste, mas não nos paralise.

Para tanto, é imprescindível que o debate eleitoral contemple, propositiva e honestamente, a agenda ambiental no contexto da retomada econômica de que tanto precisamos. É preciso abandonar o indigesto hábito de mascarar a preguiça e a miséria do nosso debate político em dilemas falaciosos —​como aquele que marcou a pandemia, opondo proteção da saúde e preservação dos empregos, ou o clássico entre crescimento e combate à desigualdade. Não pode haver contradição entre desenvolvimento e sustentabilidade. Esses dilemas, em geral, são perpetuados por quem não entendeu os problemas —ou, pior, por quem não tem interesse em resolvê-los.

Além de sepultar o negacionismo, será preciso qualificar o debate. Não convirá, por exemplo, entreter propostas como a da implementação de um novo "PAC Verde", como fez recentemente um presidenciável, sem apresentar suas condições de viabilidade —tendo em vista sempre o fato de que sustentabilidade é um conceito amplo e precisa contemplar, inclusive, sua frente fiscal.

Especificamente, urge discutirmos planos de adaptação para setores mais criticamente associados à emissão de carbono —como aviação, proteína animal, automotivo e construção civil (incluída a produção de cimento)— e de mitigação para regiões que serão fatalmente mais afetadas pelas consequências do aquecimento global, passando inclusive pelo controverso tema do urbanismo nas grandes cidades.

Preservação ambiental será outra frente primordial, com o desmatamento sendo nossa principal fonte de emissões de carbono. O Estado brasileiro tem alguns gargalos estruturais notórios na sua eficiência.

Capacidade para reduzir o desmatamento, porém, não é bem um deles. Entre 2004 e 2012, por exemplo, reduzimos a taxa anual de desmate da Amazônia em mais de três vezes —até a estratégia em curso ser revertida. Como na vacinação (outra área em que, como a batalha contra a Covid-19 mostrou, temos notória capacidade operacional), o Brasil talvez tenha o que muitos chamariam de vocação, mas na verdade é o que talvez devamos chamar de resiliência —uma expertise resistente até mesmo a certas sabotagens. Nossa capacidade de preservar precisa ser recuperada e alavancada, e pode nos abrir portas no âmbito diplomático.

O setor privado precisa participar. Dada a explosão da bem-vinda agenda ESG (algo como melhores práticas ambientais, sociais e de governança, em português), há apetite. O BNDES também deve ajudar —por exemplo, na facilitação dos programas de emissão de títulos verdes. Não podemos prescindir também do apoio de multilaterais, como o Banco Mundial.

Como reportou esta Folha ("Brasil perde apoio do Banco Mundial para implementar mercado de carbono", 27/8), ficamos de fora de um dos seus programas de aceleração para o mercado de créditos de carbono —outra frente de potencial por aqui— por inépcia do governo, algo similar com o que se passou com o Fundo Amazônia. São múltiplas as oportunidades no nosso entorno. A vocação que o Brasil parece ter, sim, é a de desperdiçá-las. Não podemos nos dar esse luxo novamente.

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