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Fabíola Sucasas Negrão Covas

O amor enxovalhado

Estelionato sentimental precisa ter pena mais rígida

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Fabíola Sucasas Negrão Covas

Promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, é titular da Promotoria de Enfrentamento da Violência Doméstica

O projeto de lei 6.444/2019 tramita na Câmara dos Deputados para incluir no art. 171 do Código Penal conduta que induz a vítima, com a promessa de constituição de relação afetiva, a entregar bens ou valores para si ou para outrem. Nominada nos meios jurídicos por estelionato sentimental, a prática quer agravar a responsabilidade penal daquele que engana e se aproveita do amor, da fantasia e do sonho de um romance, abusando da lealdade e da confiança da vítima para conseguir vantagem econômico-financeira.

O tema voltou à cena com o documentário "O Golpista do Tinder", da Netflix, que exibe detalhes do tal golpe praticado por um homem via aplicativo de encontros, vitimando várias mulheres, a quem causou prejuízos de milhões de dólares.

Foto de um homem de camisa sentado diante de uma grande janela de vidro
Foto de Shimon Hayut, o "Golpista do Tinder", publicada em seu Instagram - Reprodução/Instagram

Alguns casos ficaram conhecidos no Brasil também. Em seis estados, um homem teria feito mais de 50 mulheres vítimas e só foi descoberto porque elas se uniram em busca de Justiça. Noutro, uma mulher alcunhada por "Loba do Tinder", já presa, deu o golpe em 100 homens.

Nos casos mencionados, o recorte de gênero se evidencia. Enquanto para as mulheres o golpista se utilizou do chamariz do sonho do amor romântico como instrumento para a sedução e o estreitamento da relação de afeto, a golpista teria ameaçado denunciar a relação extraconjugal para se valer da vantagem econômica —enquadramento de extorsão. De um lado, o ideal do príncipe encantado vendido como garantia de felicidade; de outro, a reafirmação da virilidade masculina prestes a abalar a fidelidade conjugal. Isso sem falar das ameaças de vazamento de "nudes", perseguição ou outros delitos que se somam à conduta fraudulenta.

Enquanto não se mergulha nas relações de consumo do tema, as regulações para prevenção e educação em gênero de caráter transversal, o PL 6.444/19 aguarda andamento.

Apensado ao PL 2.512/19, com ele se unem outras 12 propostas para aumentar a pena do estelionatário que venha a atingir pessoas idosas ou que não tenham o necessário discernimento para o ato, além de tantas mais referentes à prática cometida por meio de redes sociais ou em ambiente virtual —apesar da entrada em vigor da lei 14.155/21, que alterou o Código Penal prevendo a hipótese de aumento de pena para o crime de fraude eletrônica e de estelionato cometido contra idoso ou vulnerável.

Nos EUA, as fraudes em aplicativos e sites de relacionamento aumentaram 50% em 2020 ante 2019. O Instituto de Defesa do Consumidor americano afirmou que foram perdidos cerca de US$ 300 milhões com a prática criminosa.

No Brasil, não deve ser diferente, apesar da falta de dados oficiais. A pandemia de Covid-19 já retratou o aumento da violência praticada contra as mulheres, o que ensejou a aprovação de alguns projetos de lei ao longo dos últimos dois anos, a exemplo dos crimes de violência psicológica e "stalking" (perseguição virtual ou presencial). A violência patrimonial, por sua vez, segue infelizmente fortalecida, recrudescendo a vergonha e silenciando a dor de um amor enxovalhado.

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