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Sanar a política pela razão ou pela dor?

Se falhar a razão, resta-nos aprender com a dor, como foi na Europa do pós-Guerra

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Rodrigo Jungmann

Doutor em filosofia pela Universidade da Califórnia, é professor da Universidade Federal de Pernambuco

A história política humana se apresenta como uma luta inglória das forças da moderação e do diálogo contra as da agressividade e da intransigência.

Nesses embates, a emergência de uma improvável instituição, hoje ameaçada, nos ofereceu um considerável alívio: a democracia liberal —o melhor caminho já divisado pela espécie para lidar com a realidade inapelável do conflito, moral, político ou de outra sorte.

Não há nada de errado nas divisões.

Mas a excessiva polarização, radicada na nossa propensão tribal à divisão do mundo entre um nós de pureza e retidão e um eles de desvio e perversidade, dificulta cada vez mais a operação normal da democracia, que não se faz sem compromisso e transigência. É uma pena que esta última escasseie quando julgamos que a discordância é sinal inequívoco de má-fé.

As redes sociais nos tornam imensuravelmente mais tribais. É que agora as pessoas já se apresentam devidamente "segregadas" por insidiosos algoritmos.

Instaura-se uma tendência, dissecada por autores como Cass Sunstein e Robert Talisse: passamos cada vez mais a procurar os nossos assemelhados, e a convivência quase exclusiva com eles só confirma e reforça as nossas crenças. Mais ainda: dá-nos um forte sentido de pertencimento a um grupo que reputamos moralmente superior.

Nestas circunstâncias, como fazer a política com aqueles que são tidos como moralmente inferiores e mesmo abjetos? Temos um dilema insolúvel?

Em livros recentes, Talisse nos fornece duas respostas complementares. Em primeiro lugar, não devemos conferir excessiva importância à política. Isso mesmo. Visto na inteireza da sua complexidade, o próximo aparece como realmente é. Posso concluir que meu vizinho é uma pessoa muito boa, independentemente de suas posições políticas. E o simples bom senso mostra, com efeito, que há pessoas sãs do ponto de vista moral na esquerda e na direita moderadas. E isso deve ser reconhecido.

A segunda proposta é um apelo ao autointeresse esclarecido. Grupos radicalizados tendem à intensa hierarquização. Ai de quem for demasiado conciliador com "o outro lado". Um tal indivíduo costuma ser enxotado pelo próprio grupo…

A fragmentação daí resultante torna a simples prática da política cotidiana e comezinha menos apta a gerar resultados positivos e concretos. Em suma, devemos ser inteligentemente tolerantes com o outro lado, sob pena de sermos jogados no lixo pelo nosso...

Esse é o apelo da razão. Se falhar, resta-nos aprender com a dor, como aconteceu quando a Europa jazia em ruínas ao fim da última grande guerra. Seremos tão tolos assim?

Yasser Arafat e Shimon Peres cumprimentam-se em encontro no Cairo, em 2001 - Marwan Naamani - 15.jul.2001/AFP
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