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Infância desviada

Subnotificação do trabalho de crianças deve ser apurada para melhoria de ações

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Colheita de cacau em Medicilândia, Pará
Colheita de cacau em Medicilândia, Pará - Tatiana Cardeal/Papel Social

Encontra-se aferidor seguro do grau de civilização de um país no modo como trata crianças e detentos. Nas prisões superlotadas do Brasil predominam retrocessos, assim como na educação pública, enquanto nos indicadores de trabalho infantil haveria avanços —mas essa não é uma certeza.

Há motivos para pôr em dúvida as estatísticas oficiais, como mostrou reportagem desta Folha. Segundo estudo de universidades na Suíça e nos Estados Unidos, a ocorrência real pode multiplicar por sete os números oficiais.

Série histórica do IBGE sobre trabalho de 5 a 17 anos de idade indica boa melhora de 1992 a 2015. Nesses 23 anos, o contingente de trabalhadores mirins teria encolhido 65,6%, de 7,8 milhões para 2,7 milhões —dado ainda vergonhoso, em especial tendo em conta que 70% são pretos ou pardos.

O estudo considerou faixa etária mais restrita, 7 a 14 anos, na qual haveria em 2015, oficialmente, 738,6 mil crianças e adolescentes (2,5%) exercendo algum tipo de atividade laboral. Os autores projetam, entretanto, que o número efetivo deve ser 5,7 milhões (19,2%).

As quantidades divergem porque a fonte de informação da segunda pesquisa foram as próprias crianças —por exemplo, em respostas ao Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Seus pais, por vergonha ou temor, tendem a encorpar a subnotificação.

No Saeb de 2019, 15% dos meninos e meninas de 10 e 11 anos declararam ter trabalhado por ao menos uma hora. Considerando os que não estão na escola, calcula-se que o percentual total seja maior.

O primeiro passo para desenhar políticas eficazes no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), portanto, seria aperfeiçoar a metodologia de quantificação. Concentrando atenção na ponta do iceberg, o Estado deixaria 6/7 do problema ocultos sob a superfície de aparente sucesso.

Também urgente seria reverter o notório descaso do presidente da República. Jair Bolsonaro (PL) desqualificou a questão ao defender, em 2019, ser melhor uma criança de 9 ou 10 anos trabalhar do que fumar crack (obviamente, um delito não justifica o outro).

Com tal retórica, é difícil imaginar que o governo vá se debruçar sobre as estatísticas e as políticas relacionadas ao trabalho infantil. Afasta-se mais uma vez da via civilizatória —nenhuma novidade aí.

editoriais@grupofolha.com.br

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