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Edson Luiz Sampel

Uma revolução na Igreja Católica

Nova constituição permitirá a qualquer fiel atuar em postos chave da cúria

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Edson Luiz Sampel

Teólogo, é professor do Instituto Superior de Direito Canônico de Londrina

A nova constituição da cúria romana, "Pregai o evangelho" ("Preadicate evangelium"), em vigor a partir do próximo dia 5 de junho, ensejará mudanças radicais na administração da Igreja Católica. Com efeito, o papa Francisco inculca um princípio que toca no próprio exercício do poder. Lê-se no número 5 dos Princípios e Critérios para o Atendimento da Cúria Romana: "Cada instituição curial cumpre a sua missão em virtude do poder recebido do pontífice romano em cujo nome age com poder vicário [como representante] (...). Por esta razão, qualquer fiel pode presidir a um dicastério [departamentos do governo da Igreja Católica] ou a um organismo (...)".

Quando se diz "qualquer fiel", evidentemente incluem-se os leigos (os católicos comuns). Sobre esse ponto da novíssima constituição, o renomado canonista padre Gianfranco Guirlanda, na coletiva de imprensa que apresentou a "Pregai o evangelho", explicou que a norma confirma a tese de que o poder de governo da Igreja não advém do sacramento da ordem (conferido aos padres e bispos), mas da missão canônica (espécie de mandato), outorgada pelo papa a qualquer pessoa, homem ou mulher, clérigo ou leigo. Nesse diapasão, nada obsta que um dicastério importante, como por exemplo a Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício), seja confiado à gestão de um leigo ou uma leiga com larga competência teológica.

O papa Francisco assina um autógrafo no braço de um homem durante audiência no Vaticano - Remo Casilli - 16.mar.22/Reuters

Uma das primeiras consequências da constituição "Pregai o evangelho" implicará o combate contra o carreirismo na Igreja Católica. Deveras, o papa Francisco tem insistentemente fustigado dois males que vulneram a barca de Pedro: o clericalismo e o carreirismo. Pensando nas consequências positivas, com o ajutório dos leigos, os padres se desonerarão de misteres atípicos para se dedicarem ao que se convencionou chamar de "cura de almas", ou seja, as funções típicas do ministério: celebração de missas, ministração dos sacramentos, condução de paróquias, pregações, exéquias etc. É exatamente deste tipo de serviço sagrado que os leigos (95% dos membros da igreja) necessitam, principalmente em face da exiguidade de vocações sacerdotais.

A constituição "Pregai o evangelho", que se compagina de chofre com o projeto do papa Francisco da "igreja sinodal", longe de alterar apenas o dia a dia da cúria romana, refletirá em todas as dioceses, no mundo inteiro, encorajando posturas já previstas pelo direito canônico e obrigando os bispos a determinadas mudanças. Quem sabe, dentro em breve, não haverá no Brasil um leigo a presidir algum tribunal eclesiástico (vigário judicial)!

O papa Francisco não quer destruir a igreja. Muito pelo contrário! Quer o santo padre, isto sim, delir práticas necrosadas, restaurando a saúde da igreja, dando voz e vez aos leigos, os quais, em virtude do sacramento do batismo, integram a igreja tanto quanto os padres.

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