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Lívia Gonçalves Buzolin

Sem retrocessos para os direitos LGBTQIA+

Crescente onda conservadora e mudanças na formação do STF devem ser observadas com atenção

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Lívia Gonçalves Buzolin

Mestra e doutoranda em direito e desenvolvimento pela FGV Direito SP, é pesquisadora do Núcleo Gênero e Direito da FGV Direito SP, onde coordena o Grupo de Estudos em Direito e Gênero; autora do livro "Direito Homoafetivo: criação e discussão nos Poderes Judiciário e Legislativo" (editora Revista dos Tribunais, 2019)

Em 2019, o Brasil se tornou o primeiro país do mundo a criminalizar a homofobia e a transfobia por uma decisão do Supremo Tribunal Federal e, conforme o relatório da ILGA ("International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association"), o único a fazê-lo por meio de uma decisão judicial entre 48 países que o fizeram por lei.

Entre 2010 a 2020, o STF julgou quatro casos emblemáticos, com decisões garantidoras de direitos: união estável homoafetiva (2011), possibilidade de pessoas trans alterarem o nome e marcadores de gênero em documentos oficiais (2018), criminalização da homofobia e transfobia (2019) e possibilidade de doação de sangue por homens que fazem sexo com outros homens (2020).

A análise do trâmite processual e das sessões de julgamento de dois desses casos —o da união homoafetiva e o da criminalização da homofobia e transfobia— revelou que houve um aumento de mais de 10% no número de amigos da corte ("amici curiae") que ingressaram no processo com posicionamento contrário à criminalização de homofobia e transfobia, quando comparado ao caso da união homoafetiva.

Também houve uma mudança na identidade desses atores, marcada pela inédita presença da bancada evangélica no Congresso, que apresentou manifestação acerca do tema da liberdade religiosa juntamente com a Cobim (Convenção das Igrejas Evangélicas Irmãos Menonitas no Brasil) e que acabou sendo endereçada pelos ministros na tese jurídica final. Os resultados dessa pesquisa foram recentemente publicados em artigo inédito no número 41 da Revista Direito GV.

Além da discussão sobre eventual prática de ativismo judicial por parte do Poder Judiciário, o STF tem sido uma arena de disputa de interesses, cada vez mais mobilizado por atores contrários ao reconhecimento de direitos. Nesse cenário também há de ser considerado que nenhuma das decisões judiciais foi convertida em lei até o momento.

Por meio de uma base de dados que está em desenvolvimento, um levantamento dos projetos de lei apresentados no Congresso Nacional entre 2011 e 2020 revela que 46,2% são contrários a direitos das pessoas LGBTQIA+ e podem representar um retrocesso nos direitos reconhecidos pela Suprema Corte.

O atual Congresso Nacional é o mais conservador desde a ditadura militar. Parlamentares foram eleitos com discursos abertamente contrários a qualquer reconhecimento de direitos de minorias sexuais, o que torna ainda mais distante a possibilidade de os direitos reconhecidos judicialmente serem convertidos em legislação.

Enquanto a questão não avança no Congresso Nacional, as decisões judiciais seguem produzindo efeitos, e as pessoas LGBTQIA+ continuam exercendo seus direitos —ainda que muitas vezes marcados pela resistência de órgãos públicos e necessidade de judicialização.

O cenário é incerto, e a crescente onda conservadora deve ser observada com atenção, assim como as mudanças na formação do próprio STF, capazes de colocar em risco até mesmo os direitos já conquistados.

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