Por que seguimos enxugando gelo?

Violência policial é política de segurança no Rio de Janeiro

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Cecília Olliveira

O Rio de Janeiro assistiu fatigado à última operação policial no Complexo do Alemão, que deixou 18 mortos. No dia seguinte, o porta-voz da Polícia Militar admitiu, em momento de extrema sinceridade, que ações como aquela "enxugam gelo".

A política de operações policiais letais é, há décadas, encarada como a principal forma de combater a violência no Rio.

O resultado é sempre o mesmo: milhares de moradores com seu direito de ir e vir cerceado, policiais encurralados, crianças que crescem ameaçadas e íntimas do luto. O Rio forma gerações de pessoas traumatizadas.

Filhos de Letícia Sales (de branco), durante enterro de sua mãe no Cemitério São Francisco Xavier (Caju), zona portuária do Rio de Janeiro. Letícia foi uma das 17 pessoas que morreram baleadas durante operação policial no Complexo do Alemão.
Filhos de Letícia Sales (de branco) no enterro de sua mãe, uma das 17 pessoas baleadas durante operação policial no Complexo do Alemão - Eduardo Anizelli - 23.jul22/Folhapress

A estratégia é viciada e, impulsionada por discursos eleitoreiros, não dá resultado porque o crime avança. O Mapa dos Grupos Armados, criado em conjunto pelo Fogo Cruzado, Disque Denúncia, Pista News e o Geni, laboratório da Universidade Federal Fluminense, mostra que milicianos controlam quase 60% do Rio. Mas dados coletados entre 2016 e 2019 mostram que só 3% dos tiroteios entre a polícia e algum grupo armado se deu em área de milícias.

Enquanto isso, o carioca já sabe que, pelo menos uma vez por semana, alguma favela será alvo de uma operação com muitos mortos. Das cinco chacinas policiais mais letais da história, quatro foram naquela região.

O pensamento sobre a violência é tão obsoleto que ainda há o hábito, da polícia e parte da imprensa, de não nomear as facções criminosas, ainda que o Comando Vermelho seja conhecido até na Amazônia e tenha conexões internacionais. A facção controla diversas favelas na Zona Norte, mas muito menos que a milícia.

Entender a geografia da violência, tomar decisões com base em dados, priorizar inteligência e não letalidade. O que é preciso fazer para deixarmos de enxugar gelo já não é segredo há muito tempo.

Cecília Olliveira é jornalista investigativa, diretora fundadora do Instituto Fogo Cruzado e diretora da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.

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