O ministro Mauro Campbell Marques, do Tribunal Superior Eleitoral, parece ter aproveitado um episódio grotesco protagonizado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para passar um recado em nome da corte a que pertence.
Isso explicaria por que ele determinou a remoção de vídeos que mostram Bolsonaro reunindo-se com diversos embaixadores estrangeiros para apresentar-lhes um conjunto de mentiras a respeito das urnas eletrônicas.
Explicaria, mas não justificaria. Campbell Marques, que também é corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ultrapassou o limite do razoável em sua decisão, acrescentando um erro judicial à aberração presidencial.
É verdade que Bolsonaro reincidiu em conduta indesculpável. Suas reiteradas tentativas de destruir as eleições periódicas e de conturbar a vida cívica nacional merecem o mais forte repúdio das instituições republicanas e dos cidadãos defensores da democracia.
Repúdio, sim; mas não entrar no jogo de quem despreza o Estado de Direito. Se o presidente viola a lei, deve ser punido segundo a sanção prescrita, observados os princípios e a jurisprudência pertinentes.
Isso significa, por exemplo, levar a sério a análise de eventuais crimes comuns e de responsabilidade que Bolsonaro tenha cometido, seja na reunião com os embaixadores, seja em outras circunstâncias de seu mandato.
Isso também significa, no âmbito eleitoral, dar resposta proporcional a eventuais infrações praticadas.
No caso específico, valer-se do Palácio do Planalto e da estrutura estatal para difundir conteúdo utilizado na campanha deixa o presidente exposto aos dispositivos que, na lei eleitoral, punem o abuso de poder político e o uso indevido dos meios de comunicação.
Caso fique comprovado o abuso, a pena estabelecida é a cassação do registro ou do diploma de candidato beneficiado. Que o TSE prossiga com esse julgamento.
Derrubar os vídeos que transmitiram o evento insólito, entretanto, faz pouco sentido neste momento. Primeiro porque a violação, se houve, já está concluída. Mirar alguns poucos canais bolsonaristas tem efeito limitado no combate a fake news e custo alto para a livre circulação de ideias.
Entretanto também faz pouco sentido porque os vídeos, no fundo, são um retrato pronto e acabado de Bolsonaro exposto em seu desvario bonapartista.
Se estivesse em questão uma peça de propaganda sabidamente inverídica destinada a espalhar desinformação, a decisão do TSE teria cabimento. Não sendo o caso, o tribunal faria melhor se contivesse seu ímpeto censório para legar ao eleitor a tarefa de julgar Bolsonaro.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.