Descrição de chapéu
Giovana Madalosso

O recado da caravela sobre o clima

É justamente a geração que nasceu tão apartada da natureza que terá de salvá-la

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Levei minha menina de apartamento para passar uns dias em uma praia da Bahia. Preferia que ela fosse mais da areia que do cimento, mas seus dez anos foram vividos em São Paulo, dentro do nosso décimo andar, e boa parte na clausura da pandemia.

Tendo aprendido mais sobre a vida marinha com "Procurando Nemo" do que com as ondas, assustou-se ao pisar sobre os recifes pontiagudos e ao nadar em meio a um populoso cardume. Quando finalmente relaxou, topou com uma "coisinha transparente" que, aos seus olhos de espectro Made in China, pareceu ser um pedaço de plástico. Logo descobriu que aquela embalagem tinha vida. E que vida: alguns minutos depois, saía da água chorando, com as mãos queimadas, sentindo choques.

O plástico falsário era, na verdade, uma caravela. A prima da água-viva. Conversando com um biólogo que estava no local, descobrimos ser época do venenoso cnidário, que vem nadando do outro lado do oceano até o Brasil. Também descobrimos que, nos últimos anos, graças ao aumento de temperatura, as caravelas se reproduziram mais, lotando a areia de certas praias portuguesas e zarpando em maior número para cá.

Eu já sabia que, com o muito provável aquecimento de 2 graus no planeta, perderemos 99% dos corais, parte da vida marinha e teremos escassez de água (sem falar em outros desdobramentos, como a redução de cerca de 7% da produção agrícola e 13% do PIB mundial). Mas sentir o efeito palpável dessa mudança em curso ardeu também em mim.

Sentada na areia, dando colo para a minha filha e para a sua dor de se descobrir em um mundo duplamente selvagem, pensei no desafio que temos pela frente. É justamente essa geração, que nasceu tão apartada da natureza, que precisa salvá-la. Mas como amar e lutar por aquilo que nem conhecemos direito? Talvez seja mesmo a hora de tirar os Nikes, os olhos da tela e fincar os pés na terra e na realidade: a natureza não para de soar os alarmes.

Marlin e Dolly entre caravelas no longa "Procurando Nemo" - Divulgação
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