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Fernando Luiz Zancan

Disrupção e transição energética

Movimento de descarbonização é correto no objetivo, mas errado na forma

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Fernando Luiz Zancan

Presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM)

Movimentos bruscos globais geram consequências na mesma escala. Durante a pandemia de Covid-19, vimos a questão da cadeia produtiva de saúde e a dependência de insumos de China e Índia. Felizmente, a tecnologia fez toda a diferença. As descobertas advindas da bioquímica —descritas no livro "A Decodificadora", de Walter Isaacson— mostram que a combinação da urgência da demanda e da disponibilidade tecnológica faz andar rápido a solução para um problema global.

Com a pandemia, os governos investiram muito em uma economia estagnada. Cadeias produtivas foram impactadas, e isso se refletiu na economia, com aumento de custos e inflação global. A área de energia já vinha sendo afetada por um movimento de descarbonização, impulsionado pelo Acordo de Paris, em 2015.

O setor financeiro internacional, influenciado pelo ESG ("Environmental, Social and corporate Governance"), foi dificultando o acesso ao financiamento da indústria fóssil, que hoje fornece 80% da energia do mundo.

Ora, na indústria de energia e mineração, se você não investe hoje não tem a produção amanhã. O movimento ocidental de descarbonizar a energia, correto no objetivo, está errado na forma. Descarbonizar não significa acabar com os combustíveis fósseis, mas acabar com a emissão de CO2 que eles geram. No início da pandemia, a Agencia Internacional de Energia fomentou uma tese de recuperação da economia com investimentos na agenda verde: a busca do net zero em 2050 (emissões líquidas de CO2 zero). Esse conceito foi aprovado por mais de 100 países na COP26, em Glasgow.

A discussão em Glasgow era acabar com a indústria do carvão, responsável por um terço da geração de energia elétrica no mundo. Seu uso é cada vez maior nos insumos para a urbanização e desenvolvimento (aço, cimento, indústria química etc.) de muitos países da Ásia e de outros continentes. Não por acaso, China e Índia adiaram seu net zero para 2060 e 2070, respectivamente. Pouco se falou, porém, do apoio às tecnologias de captura e armazenamento do carbono (CCUS). Para a Europa, que importa cerca de 70% da sua energia fóssil, será necessário antes alavancar suas fontes domésticas (solar e eólica).

Ao apostar no gás como combustível de transição, muitos países, como Alemanha e Itália, viram no gás russo a principal forma de aquecer seus lares e manter sua indústria. Toda essa transição não foi combinada com os russos. Agora, com a guerra na Ucrânia, temos mais um movimento disruptivo, que mostra a importância da segurança energética. Com a volta do carvão mineral na Europa, a aceleração do desenvolvimento das tecnologias de CCUS entra na pauta das discussões.

E aí temos mais um problema. Com a guerra, além de toda as despesas advindas da pandemia, vemos também que os recursos europeus irão para o armamento, a crise humanitária e a dependência do gás russo, que deverá aumentar o custo da energia. Diante desse cenário, cabe perguntar: os países ricos, obrigados a colocar US$ 100 bilhões por ano nos países em desenvolvimento para a mitigação de gases com efeito estufa, cumprirão sua promessa? Como ficará a transição energética justa?

Dois homens conversam diante de uma grande estrutura de concreto e metal usada para capturar dióxido de carbono da atmosfera
Usina de captura de gás carbônico da empresa Climeworks recém-inaugurada na Islândia - Divulgação

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