Descrição de chapéu
Giovana Madalosso

Fui pega no vermelho

Uma ida à farmácia com a camiseta do meu candidato e um desfecho inesperado

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Giovana Madalosso

Escritora, é autora de "Tudo Pode Ser Roubado" e "Suíte Tóquio" e colunista da plataforma de mudanças climáticas Fervura

Eu sei, anda meio perigoso declarar voto por aí, mas tem dias que acordo quase louca e preciso fazer alguma coisa. Sábado foi um desses dias. Pulei cedo da cama e vesti minha camisetinha vermelha com o rosto do candidato. Meu território não é dos mais amigáveis. Estou morando em Curitiba, onde homens brancos de 50+ costumam passear com cachorros na minha rua e rosnar para as minhas preferências políticas. Mas tudo corria dentro dos limites aceitáveis. Já era quase meio-dia e eu ainda não tinha levado facada nem tirolui.

Eis que entro numa farmácia. Compro os antidepressivos necessários ao exercício de ser brasileira e me dirijo ao caixa. Um rapaz começa a olhar fixamente para o meu peito. Sabendo que ideologias vêm ganhando de mamilos no quesito "fazer um homem perder a cabeça", já me tensionei. E me tensionei ainda mais quando ele fechou a cara, apontou para a minha camiseta e bradou: esse cara é ladrão!

Camisetas de Lula em São Paulo - Gerson Areia/PxImages/Folhapress

Pronto, pensei. Vou morrer no meio de uma farmácia segurando uma cesta recheada de remédios e cupons de oferta. Será que antes de partir ainda dá tempo de tomar um Rivotril? Talvez o melhor seja inventar alguma desculpa. Minha máquina de lavar quebrou, não tinha roupa para sair e tive que pegar emprestada a camiseta do esquerdalha que mora comigo, cogitei dizer. Mas antes que eu falasse qualquer coisa, ele prosseguiu: um ladrão que roubou meu coração.

Foi como se um Rivotril derretesse sob a minha língua. Quase abracei aquele espírito de porco. Depois trocamos algumas palavras calorosas e deixei a farmácia.

Saí pensando a que ponto chegamos. Camisetas e adesivos de quaisquer candidatos sempre foram um pretexto saudável para provocar debate nas ruas, nas escolas, nas mesas de bar. Logo agora, que mais precisamos discutir saídas para um país destroçado, mãos invisíveis inibem nossas vozes. Só pode ser medo do que elas têm a dizer.

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