Descrição de chapéu
O que a Folha pensa

Ainda Belo Monte

Uma década depois, Estado falha em compensar impacto causado pela hidrelétrica

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O pescador Andrelino Lima do Nascimento caminha por um igarapé seco próximo ao rio Xingu (Altamira, PA) - Lalo de Almeida/ Folhapress

Passaram-se 12 anos desde que o Ibama expediu a licença de instalação da hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu (PA), mas ainda prossegue a disputa sobre os impactos causados pela obra portentosa.

A controvérsia sobre o aproveitamento começara muito antes, na década de 1980, com o projeto megalômano de plantar um colar de usinas no rio mais emblemático da questão indígena. Quando governos do PT se decidiram pela construção, o plano havia encolhido para uma única barragem.

Nem por isso o projeto ficou isento de problemas. Especialistas apontaram a desproporção entre o dano socioambiental previsível e a energia que seria produzida.

No ano passado, Belo Monte atendeu cerca de 5% da demanda nacional por eletricidade —quantidade significativa, sem dúvida. Mas isso se obtém com a redução drástica da vazão fluvial e a desfiguração de 100 km do rio, a Volta Grande do Xingu, da qual dependem milhares de ribeirinhos e indígenas.

Como noticiou esta Folha, deu-se o que já se sabia: colapso da pesca. O Ibama exige a solução do problema para dar aval à licença de operação da hidrelétrica, que deveria ter sido renovada há um ano.

A agência, em análise de junho, apontou inconformidades da concessionária Norte Energia na mitigação do impacto. Recomendou que ela pague indenizações a um grupo inicial de 785 pescadores.

Na realidade, há 1.976 domicílios dependentes da atividade, conforme cadastro concluído em 2019. Para o Ministério Público Federal, esse contingente seria ainda maior, acima de 4.000 famílias.

A Norte Energia contesta que esteja em desacordo. Diverge, também, da recomendação para indenizar e propõe um auxílio parcelado em três vezes —condicionado a projetos de geração de renda que a empresa teria o poder de auditar após a primeira parcela e, eventualmente, cancelar as subsequentes.

Não cabe aqui prescrever qual a melhor saída para as agruras dos pescadores. Impõe-se assinalar, porém, o absurdo de nada disso ter sido equacionado antes da operação da usina, como manda a lógica elementar. Fato consumado, sobra aos mais fracos padecer com a arrastada contenda burocrática.

Tal tem sido a perversidade perene de projetos de aproveitamento hidrelétrico no Brasil: dar prioridade a interesses de empreiteiras e concessionárias (para nada dizer de políticos e oportunidades para corrupção), em detrimento do impacto socioambiental da obra. Belo Monte não fugiu à regra.

editoriais@grupofolha.com.br

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.