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Crença e voto

Democracia deve aceitar influência da religião, mas preservar o Estado laico

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Fiéis evangélicos oram em um culto com os braços erguidos, alguns segurando bíblias
Culto evangélico - J F por Pixabay

Em pesquisa do Datafolha, 49% dos eleitores brasileiros dizem dar muita importância à religião ou à fé do candidato na hora de definir seu voto, o que ajuda a explicar a exploração incessante do tema por Jair Bolsonaro (PL) e os esforços tardios de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para reduzir a desvantagem no meio evangélico.

Quem tomar o dado pelo valor de face terá motivos para temer que se enfraqueça no Brasil a laicidade do Estado. Existem, de fato, razões para inquietação, mas o panorama talvez não seja tão sombrio.

O primeiro ponto a destacar é que o processo de definição do voto não é transparente nem para o próprio eleitor. Pouca gente dirá que são os índices de inflação que determinam seu voto, mas estudos mostram que o ritmo dos preços é um dos fatores que, isoladamente, mais influenciam o eleitor.

Valores, embora não possam ser descartados como elemento definidor do sufrágio, costumam aparecer com mais saliência num segundo momento, quando o eleitor elabora uma racionalização para seu voto. Aí surgem explicações mais elevadas, como a crença, os imperativos éticos, o altruísmo.

Mesmo que a religião não ocupe um lugar tão central na definição do voto quanto a leitura sem filtros do dado do Datafolha pode sugerir, não há dúvida de que a questão religiosa vem, pleito a pleito, ocupando mais espaço nos embates políticos. Parte disso se deve ao crescimento das igrejas evangélicas.

Religiões em busca de arregimentar adeptos não raro apostam numa retórica mais veemente, às vezes até agressiva, que não fica limitada ao terreno da teologia —invadindo também a pauta de costumes e a política.

Idealmente, questões religiosas não deveriam vazar para a discussão política. "Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus" (Mateus 22:16-22). Na prática, porém, a democracia, para manter-se democrática, precisa aceitar as influências da religião.

O que a democracia pode e deve exigir de todos é que aceitem a laicidade do Estado como cláusula pétrea da Constituição. Se os cidadãos têm o direito de professar a crença que preferirem, o poder público tem o dever de manter-se neutro em relação a todos os credos, majoritários ou minoritários, e também à ausência de crença.

Os religiosos são os principais interessados em preservar esse arranjo, pois é a única garantia de que o credo hoje dominante não venha a ser perseguido amanhã se a demografia religiosa mudar.

editoriais@grupofolha.om.br

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