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Perdão por fumar

Indulto de Biden a condenados por porte de maconha ajuda a expor injustiças

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O presidente dos EUA, Joe Biden - Kevin Lamarque/Reuters

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou perdão judicial a todos os condenados por porte de maconha em âmbito federal. O indulto tem mais valor simbólico, já que a maioria dessa prisões se dá nos estados. Por isso, Biden também fez um apelo para que os governadores sigam o exemplo.

A medida se ampara na visão de que não faz sentido criminalizar a maconha, que deveria ser regulada como o álcool. O proibicionismo, além de ineficaz, conflita com direitos como a soberania do indivíduo sobre o próprio corpo.

Ainda mais importante é o aspecto social da medida. O uso recreativo da maconha já é legalizado em 19 estados dos EUA, enquanto o uso medicinal é autorizado em 37. Entretanto condenados pelo porte têm dificuldade de acesso a emprego, moradia e educação.

Na prática, ser fichado é condição que prejudica sobretudo os pobres e a população negra —que, dadas as barreiras históricas, concentra-se nas camadas de renda mais baixa. Não raro se vê a legalização da maconha como mero desejo narcisista de jovens brancos de classe média e alta. A questão vai além, nos EUA ou no Brasil.

Aqui, pesquisa feita pela Agência Pública, que analisou cerca de 4.000 sentenças sobre crimes relacionados a drogas no estado de São Paulo em 2017, revelou que negros são condenados portando quantidades menores de drogas.

No caso da maconha, 71% deles foram condenados, em média, com o porte de apenas 145 gramas. Já entre brancos, 64% possuíam em média 1,14 kg —uma diferença, portanto, de quase oito vezes.

Esses dados revelam uma grave lacuna da Lei de Drogas, de 2006, que impediu a prisão do usuário, mas não delimitou a quantidade que diferencia o uso do tráfico. Assim, juízes proferem sentenças baseando-se em elementos ditos "contextuais", como local do flagrante ou nível de escolaridade e condição econômica do acusado.

Esse mecanismo leva diretamente à prisão de mais negros e pobres, dado o racismo prevalente na sociedade brasileira e a presença do narcotráfico em comunidades carentes, nas quais a população parda e preta predomina.

O mundo está revendo o estatuto legal da maconha, mas aqui governantes e legisladores permanecem com medo do debate ou aferrados a tabus conservadores. Enquanto isso, o proibicionismo superlota prisões e fornece mão de obra para facções criminosas.

editoriais@grupofolha.com.br

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