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Mário Scheffer e Caio Rosenthal

Aids: hora de recuperar o tempo perdido

Fundamentalismo que tanto atrasou luta contra a doença deve ficar para trás

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Mário Scheffer

Professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP

Caio Rosenthal

Médico infectologista

O governo Jair Bolsonaro (PL) fez o Brasil perder tempo na luta contra a Aids, paralisia que não pode ser creditada somente às dificuldades do sistema de saúde durante a pandemia de Covid-19.

Fato grave, o descuido na notificação de infecções pelo HIV passa agora a falsa ideia de queda nos números da Aids no país. Mas esse não é o maior dos problemas.

Enquanto a PEC da Transição não for aprovada, o que se vê no Orçamento federal de 2023 são apenas R$ 1,9 bilhão para enfrentar a Aids, demais infecções sexualmente transmissíveis, hepatites, tuberculose e hanseníase, cujas áreas técnicas foram amontoadas em um mesmo departamento do Ministério da Saúde.

Em 2020, o Brasil registrou 10.417 óbitos associados ao HIV - Navesh Chitrakar/Reuters

Somente na compra de medicamentos para pacientes com HIV o governo federal gastou R$ 1,7 bilhão em 2021, além de R$ 62,9 milhões em preservativos. Ou seja: faltaria dinheiro no ano que vem.

Os ministros da Saúde de Bolsonaro tinham total conhecimento do alarmante aumento do HIV entre jovens de 15 a 24 anos e gestantes, mas nada fizeram. Abandonaram as campanhas de prevenção e permitiram o desabastecimento de testes rápidos para HIV e sífilis.

Por quatro anos, negligenciaram as populações desproporcionalmente afetadas pela Aids, que enfrentam barreiras para acessar serviços de saúde, prevenção e cuidados, sendo o estigma a maior delas.

Nesta terça (29), o Programa das Nações Unidas sobre HIV considerou não ser mais viável a meta de acabar com a epidemia da Aids até 2030. O Brasil, quem diria, hoje contribui para essa frustração mundial. Mais de 1 milhão de brasileiros com Aids e mais de 360 mil mortes devido à doença, desde os anos 1980, deram motivos para muita dor e lamento.

Com a acertada política do SUS de oferta de tratamento e prevenção eficazes, houve rápida desaceleração da epidemia —que, no entanto, estacionou no elevado patamar de 37 mil novos casos e 11 mil óbitos, em média, por ano.

Não há como avançar sem a diminuição do grande número de infectados que não sabem sequer da sorologia positiva e sem melhorar a adesão ao tratamento para que todas as pessoas que vivem com HIV possam se beneficiar da supressão viral, reduzindo ao mesmo tempo a transmissão entre parceiros sexuais.

Medidas imediatas podem ser tomadas. Por exemplo, implantar na rede pública a decisão da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, a Conitec, que ampliou o uso da chamada profilaxia pré-exposição (PrEP).

O medicamento para prevenir o HIV passou a ser recomendado para todos os adultos e adolescentes sexualmente ativos com risco aumentado de infecção.

É preciso reverter o boicote à oferta da PrEP, mas também a proibição de materiais educativos em escolas, a censura às questões de gênero, sexualidade e de combate ao racismo e à homofobia.

O fundamentalismo e as alianças conservadoras em prol da governabilidade, que tanto atrasaram a luta contra a Aids, devem ficar para trás.

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