Descrição de chapéu
O que a Folha pensa América Latina

As esquerdas e o contexto

Vitórias recentes na América Latina não bastam para atestar uma onda ideológica

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Protesto a favor do projeto de nova Constituição chilena, que foi derrotado em plebiscito - Javier Torres/AFP

Com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Brasil se soma a Peru, Chile, Colômbia e Honduras na lista de países da América Latina que elegeram presidentes de esquerda nos últimos dois anos. Nesse período, foram para a direita apenas o Equador e a Costa Rica.

Houve também eleição presidencial na Nicarágua, mas, dado que o país se tornou, ao lado de Cuba e da Venezuela, uma das três ditaduras de esquerda do continente, não convém equiparar esse pleito aos outros, todos democráticos.

É possível falar em uma onda de esquerda na região? Se apenas forem tabulados os resultados, há de fato um 5 a 2. Se pensarmos em guinada ideológica e de etiologia única no continente, no entanto, a tese fica mais difícil de sustentar.

Pode haver elementos comuns nessas viradas, e o resultado de um país é capaz de influenciar o vizinho, porém não há sinais de que sejam os fatores determinantes.

Uma explicação mais simples e mais convincente está na Covid-19 e suas implicações econômicas, em especial na inflação, que tende a ser preponderante em eleições.

A bomba econômico-sanitária veio sem aviso prévio, precipitando um ciclo de alternância de poder. Países que estavam à esquerda foram para a direita e vice-versa. Como havia mais governos de direita, o quadro geral assume a forma de uma marcha à oposição.

Especificidades locais reforçam a suspeita de que não é a ideologia a causa principal do movimento.
O novo presidente chileno, Gabriel Boric, até venceu com folga de 56% a 44% seu adversário direitista, José Antonio Kast. Apenas seis meses após assumir o cargo, contudo, Boric viu a proposta de nova Constituição, que seu governo apoiava, cair nas urnas. O texto, de clara inspiração esquerdista, foi rejeitado por 62% dos eleitores.

Não faria sentido eleger Boric por motivação ideológica e, em seguida, repelir sua proposta de alteração constitucional, que produziria efeitos profundos e duradouros.

No Brasil, Lula foi o vitorioso, mas por uma margem estreita inédita (abaixo de dois pontos percentuais), e o novo Congresso, escolhido pelos mesmos eleitores que deram o terceiro mandato ao petista, ficou mais à direita. De novo, torna-se difícil ver a ideologia política como motivação determinante.

Em 2023, eleições no Paraguai, na Guatemala e na Argentina tornarão o panorama mais claro, para reforçar ou derrubar de vez a hipótese da "onda de esquerda".

editoriais@grupofolha.com

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.