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Ana Paula Morales e Sabine Righetti

Covid, Amazônia e fome são, afinal, temas da ciência

Espera-se agora que sustentem, também, as políticas públicas do novo governo

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Ana Paula Morales

Pesquisadora, jornalista e empreendedora social da Ashoka; cofundadora da Agência Bori

Sabine Righetti

Jornalista, doutora em política científica e pesquisadora no Labjor-Unicamp; fundadora da Agência Bori

São Paulo

Engana-se quem acha que assuntos científicos estão restritos a ambientes acadêmicos e que são debatidos, com exclusividade, por intelectuais em conversas incompreensíveis. A ciência, na verdade, está em tudo —e assumiu um papel protagonista no pleito à Presidência do país.

A volta do Brasil para o mapa da fome, por exemplo, foi constatada por estudos da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), composta por pesquisadores de universidades e de instituições de pesquisa de diferentes estados brasileiros, como a USP e as federais da Bahia e da Integração Latino-Americana. Virou tema de campanha.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) durante debate no segundo turno - Stephanie Rodrigues/G1

A fome teve ampla repercussão na imprensa em 2021, quando os cientistas da Rede Penssan mostraram que cerca de 20 milhões de brasileiros passavam fome. Em 2022, esse número praticamente dobrou.

Negada por Jair Bolsonaro (PL), a fome virou tema central da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito no dia 30 para o terceiro mandato.

Ao lado da insegurança alimentar, o avanço do desmate na Amazônia nos últimos anos também deu o tom da campanha. Outro tema científico.

Quando Bolsonaro sugeriu no debate da Band do segundo turno, em 16 de outubro, que os espectadores "dessem um Google" sobre o desmatamento da Amazônia na época de Lula, ele estava se referindo aos dados computados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

A instituição, responsável pelo monitoramento científico do desmatamento da Amazônia, teve seu ex-diretor, o físico Ricardo Galvão, demitido por Bolsonaro sob argumento de que os números do Inpe prejudicavam a imagem do Brasil e que o cientista poderia estar a "serviço de alguma ONG". À época, dados preliminares de satélites do Inpe mostraram que mais de 1.000 km2 de floresta amazônica foram derrubados na primeira quinzena de julho de 2019, um aumento de 68% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Como a Folha já mostrou, o Inpe é referência mundial em áreas como astrofísica, engenharia espacial e sensoriamento remoto, o que inclui trabalhos sobre desmatamentos na Amazônia, alvo das críticas do atual presidente. Metade desses estudos, na época da exoneração de Galvão, era feita em parceria com instituições importantes mundo afora, como a Nasa, a agência espacial norte-americana.

Também figurou de maneira expressiva nas eleições presidenciais a Covid, cuja gravidade, tratamento e formas de transmissão, com base em dados científicos, foram negados durante todo o governo Bolsonaro. Isso, claro, foi lembrado por Lula.

O então candidato petista disse repetidamente que a negligência de Bolsonaro levou mais brasileiros à morte na pandemia. No mesmo debate da Band, Lula lembrou que Bolsonaro imitou pessoas com falta de ar e incentivou o uso da cloroquina. O entendimento científico é de que o antimalárico —que foi amplamente testado pela ciência— é ineficaz contra o coronavírus. Pode, inclusive, piorar o quadro dos pacientes.

Levar informação científica para a população por meio da imprensa sobre temas como Amazônia, alimentação e Covid é uma forma de fazer com que a sociedade se torne detentora desse conhecimento.

Mais do que isso, é essencial para que as evidências científicas sejam fonte para tomadas de decisão nas esferas individual e pública.

A ciência baseou as eleições de 2022. Espera-se, agora, que sustentem também as políticas públicas do novo governo federal, que começa a se formar.

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