A chamada PEC da Transição —a emenda constitucional que abrirá espaço para acomodar gastos inescapáveis a partir da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)— concentra hoje as atenções dos mundos político e econômico. Entretanto essa não é a única decisão crucial a ser tomada pelo novo governo.
Em algum momento, será imperativo propor uma regra de controle orçamentário que substitua o teto de gastos, aviltado por medidas eleitoreiras de Jair Bolsonaro (PL). Não é necessário definir já o mecanismo, e provavelmente nem haverá tempo hábil para tanto. Mas a PEC de agora precisa levar em conta a norma de amanhã.
No momento, a incerteza prevalece. A primeira versão da proposta petista, ambicionando um crescimento desmesurado de despesas por tempo indeterminado, teve péssima repercussão e já provocou aumento dos juros de mercado.
É essencial, decerto, garantir o Auxílio Brasil de R$ 600, ainda que o desenho do programa mereça aperfeiçoamentos posteriores.
Mas não se sabe se o gasto adicional acabará em R$ 198 bilhões anuais, como quer a equipe de Lula, ou em algo mais próximo dos R$ 90 bilhões suficientes para o pagamento do benefício assistencial, como querem parlamentares.
Em qualquer hipótese, pode-se prever que o dispêndio tende a provocar um aumento da dívida pública durante os próximos quatro anos, dadas as projeções realistas de crescimento do PIB, arrecadação e taxa de juros. Quanto mais gastadora for a PEC, maior será o ajuste necessário para conter a escalada do passivo governamental.
É ilusório imaginar que se possa, sem submeter o país a custos elevados, aprovar qualquer coisa de imediato e corrigir rumos depois.
Enquanto Lula não dá indicações concretas da orientação econômica que pretende seguir, sem apontar ao menos os nomes de sua equipe, qualquer movimento imprudente criará o temor de uma bola de neve de endividamento. Nesse cenário, os juros serão maiores e o PIB crescerá menos, como se viu no passado muito recente.
A dita "vontade política" de atenuar o sofrimento social pode, assim, produzir o feito contrário. O imediatismo ameaça prejudicar a atividade e a oferta de trabalho, com o que vai por água abaixo o projeto de reduzir a pobreza.
Ainda há tempo para que a equipe de transição e o Congresso cheguem a um acordo sobre a ampliação do gasto —que, preferencialmente, deveria contemplar valores prudentes e limitados a 2023.
Outra opção seria Lula se comprometer desde já com uma regra consistente de controle da dívida pública, ainda que os detalhes possam ser definidos mais adiante.
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