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José Luiz Portella

O poder fala com o poder

Sob controvérsias, transição de governo é preâmbulo de divisão dentro do PT

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José Luiz Portella

Engenheiro civil, é doutor em história econômica (USP) e pesquisador do IEA-USP (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo)

A transição de governo tem sido um jogo de aparências para fascinar o público-alvo, de modo a acalentá-lo e ganhar prestígio. É, sobretudo, coleta de dados, e a prioridade é a obtenção das informações mais fidedignas possíveis —tarefa difícil diante do governo Jair Bolsonaro (PL).

A suposição de que os componentes da transição são os controladores da formulação política futura é incorreta. Claro que, em parte, eles influenciarão; porém, o controle das deliberações para o futuro próximo estará nas mãos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de um núcleo dominante: Fernando Haddad, Gleisi Hoffmann, Aloizio Mercadante, Celso Amorim, Guilherme Mello, Edinho Silva, Alexandre Padilha, Wellington Dias, Rui Costa, Jaques Wagner e Rosângela da Silva, a Janja.

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O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e seu vice, Geraldo Alckmin, durante entrevista em Brasília - Pedro Ladeira - 9.nov.22/Folhapress

Por ora, pouca coisa caminhou no sentido concreto —até a PEC da Transição tem controvérsias no corpo da transição. Jogo real: ajuste social versus ajuste fiscal. Ajuste social não significa gastar descontroladamente, mas sim como fonte de priorização na questão da pobreza, sobretudo da fome. O busílis é a quantia, sem "martelo batido" e com alguma forma de âncora fiscal que não impeça o cerne da política social.

Teto de gastos e restrições são os adversários dessa corrente. Há divisões mesmo entre os que propugnam por tal predileção: o grupo mais arrojado, Gleisi, Mercadante e outros, não pregam a sangria do Tesouro, mas desejam menos intromissão do mercado como balizador. Do outro lado, o grupo liderado por Haddad prevê conversa mais harmônica, mas sem subserviência. Alexandre Padilha, que se aproximou do mercado na campanha eleitoral, é o preferido pela Faria Lima.

Mesmo na turma mais liberal, há abissal diversidade. Persio Arida privilegia a abertura da economia como ponto central. Vê o baixo crescimento como problema crônico, cogitando resolvê-lo, mas submisso ao mercado financeiro. Ignora que os Estados Unidos, meca do capitalismo, foram protecionistas desde Alexander Hamilton, pai fundador, e só abriram após a guerra, quando tinham hegemonia mundial.

André Lara Rezende, que há muito dá sinais de colisão com as ideias de base do mercado, peleja contra o "aperto fiscal a qualquer custo"; é contra a transferência de gastos fiscais para os detentores da dívida pública; defende que país emissor da própria moeda possa ampliar a base monetária sem surtos —como Luiz Gonzaga Belluzzo sustenta há tempos, com repulsa do mercado.

Lula se alinha mais às ideias de Lara Rezende, e essa "parcela não PT" pesará no complemento do que o ministro da Fazenda deverá efetuar.

Na briga pelo Ministério da Fazenda, temos: Haddad querendo ser, mas reservando como segunda opção o Itamaraty, desde que com aval para liderar o processo do SUR, a moeda única para a América do Sul —não como o euro, mas como algo semelhante ao Bancor de Keynes; Alexandre Padilha, médico do presidente eleito, a movimentar a Faria Lima a seu favor; e o discreto Wellington Dias, que corre por fora com o apoio da direção e dos petistas nordestinos. Rui Costa pode ser surpresa: na Bahia, trabalhou bem com a iniciativa privada e realizou políticas de ajuste fiscal.

A transição é preâmbulo da cissiparidade do PT.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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