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Bolsonaro fora

Avanço econômico não justifica ataque à democracia nem retrocesso civilizatório

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Jair Bolsonaro (PL), durante cerimônia no Palácio da Alvorada, em Brasília - Adriano Machado/Reuters

Jair Bolsonaro (PL) teve seus ímpetos golpistas contidos pela resistência das instituições e pelo vigor da sociedade. Sua pauta obscurantista, com apoio minoritário no eleitorado, acabou desidratada pela política. Os danos que provocou, ainda assim, não foram pequenos nem podem ser esquecidos.

Ao desapreço pela democracia e à rejeição aos limites de seu poder, o presidente que encerra seu mandato uniu a incapacidade de negociação e radicalismos que afugentaram eleitores de centro, decisivos num ambiente polarizado.

Saúde, educação, ambiente, segurança, direitos humanos, cultura —áreas fundamentais padeceram de desordem gerencial e aparelhamento ideológico. Militares da ativa ocuparam posições de governo em proporções descabidas.

A reação à ofensiva autoritária não foi simples nem indolor. O Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral recorreram a providências incomuns, excessivas em alguns casos, mas em geral necessárias para o enfrentamento de investidas tramadas contra as urnas e o próprio processo eleitoral.

Bolsonaro, depois da vitória em 2018, nunca contou com o endosso da maioria dos brasileiros. Encerra seu mandato, segundo o Datafolha, com a aprovação de 39% do país a seu governo —que é considerado ruim ou péssimo por uma parcela semelhante, de 37%.

São números piores que os dos antecessores eleitos desde a redemocratização. Ainda assim, estão entre os melhores medidos ao longo da turbulenta gestão, o que ajuda a explicar por que o ainda presidente foi o primeiro a ver frustrada, por margem mínima, a tentativa de reeleger-se —apesar do momento favorável da economia.

A chegada ao poder se deu na esteira das ondas de opinião pública de aversão à esquerda e à política, após o colapso econômico do governo Dilma Rousseff (PT) e a Operação Lava Jato. A direita manteve-se mais forte, agora com o impulso da retomada do PIB, como mostraram as eleições deste 2022 para o Legislativo e os estados —e o apoio renitente de um contingente expressivo a Bolsonaro.

O mandatário se revelou incapaz, no entanto, de pôr em marcha uma agenda conservadora, na melhor acepção da palavra, com respeito às divergências, à autonomia dos Poderes, ao bom funcionamento da máquina pública e à credibilidade da própria administração.

A pasta da Educação teve cinco ministros nomeados, entre intervenções ideológicas no Enem e liberações suspeitas de verbas. A Petrobras teve quatro presidentes, em meio a arroubos populistas contra os preços dos combustíveis.

O esvaziamento dos órgãos ambientais favoreceu a alta do desmatamento que tornou o Brasil pária internacional. O acesso da população a armas de fogo foi ampliado por meio de decretos que contrariavam o espírito da lei vigente.

Na pandemia, Bolsonaro exibiu quase tudo o que tem de pior. Descaso com o sofrimento alheio, irresponsabilidade delinquente e ignorância se combinaram na campanha contra vacinas e medidas de contenção da doença que tirou perto de 700 mil vidas no país.

A exceção ao descalabro geral se concentrou na área da economia, com a qual Bolsonaro buscou ampliar a aceitação a seu governo para além das hostes fiéis.

Avanços importantes foram obtidos, por exemplo, com a reforma da Previdência, a autonomia formal do Banco Central, o novo marco do saneamento, vendas de estatais e concessões.

Ao final, a responsabilidade orçamentária foi desvirtuada por razões eleitoreiras, mas de todo modo se evitou uma escalada da dívida pública. Neste ano, a inflação caiu e o emprego cresceu com força.

Trata-se de um legado a preservar, para o bem-estar social e a despeito do retrocesso civilizatório a ser revertido ao redor —tendo em mente que agenda econômica nenhuma compensa ou justifica a corrosão da democracia.

editoriais@grupofolha.com

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