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Atila Roque

Romper com a indiferença

Novo governo precisa agir para romper ciclo de mortes violentas de jovens pretos e pardos

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Atila Roque

Historiador, cientista político e diretor da Fundação Ford no Brasil.

A interrupção do extermínio da juventude negra é um imperativo moral para o Estado brasileiro. Cessar a rotina das mortes violentas de jovens pretos e pardos é um desafio civilizatório tão importante quanto o combate à fome.

Por tudo isso, foi muito importante a declaração do futuro ministro da Justiça, senador Flávio Dino, no programa Roda Viva, de que o combate ao racismo estrutural é prioridade da sua pasta. Encontramos nas diferentes áreas de atuação do Ministério da Justiça alguns dos principais indicadores do racismo estrutural brasileiro, sendo os altos índices de homicídios de negros o mais chocante por sua permanência e estabilidade ao longo das últimas décadas.

Marcha da Consciência Negra em protesto contra o racismo no Brasil, em 2020 - Danilo Verpa - 20.nov.20/Folhapress

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 408.605 pessoas negras foram assassinadas no Brasil nos últimos 10 anos, representando 72% do total dos homicídios. Uma parcela significativa desses óbitos decorre da violência do Estado, já que 13% das mortes violentas intencionais no país resultam das ações policiais. Em 2021, 84% dos mortos pela polícia eram negros.

As cenas das operações policiais violentas, que terminam com chacinas, corpos negros abandonados nas ruas de favelas, carregados muitas vezes pelos próprios familiares, sem direito a pranto ou luto, revelam o pacto de indiferença vigente na sociedade brasileira em relação às vidas negras. Esse quadro é decorrente da permanente criminalização de corpos e territórios negros.

O pensador camaronês Achille Mbembe demonstrou como a suspensão dos direitos e a desumanização de determinados territórios e populações configuram elementos constitutivos da "necropolítica": quando o Estado faz uso de poder discricionário para decidir quem é merecedor de viver ou morrer.

O novo governo precisa agir para romper com esse ciclo interminável de dor. Para isso, poderia dar um grande passo com a implementação do Sistema Único de Segurança Pública (Lei 13.675/2018), abandonado pelo governo Bolsonaro. Entre os objetivos apontados no Susp estão a redução de homicídios, com foco na população jovem e negra, e metas de redução das mortes decorrentes de intervenção policial.

Outra recomendação importante do Susp é a implementação de instrumentos nacionais de coleta, padronização e transparência dos dados de letalidade policial. Sem informação confiável, a sociedade, a imprensa e os formuladores de políticas não serão capazes de romper o pacto racista que autoriza o extermínio cotidiano da juventude negra.

Muito pode ser feito com vontade política e compromisso pleno com a defesa do direito à vida de todas as pessoas.

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