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Talíria Petrone

Se fosse a sua filha, defenderia a vida dela ou a do embrião?

Ressuscitar o Estatuto do Nascituro é grave ataque a meninas e mulheres

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Talíria Petrone

Deputada federal reeleita (PSOL-RJ)

Trata-se de assunto urgente. Peço licença para escrever enquanto mulher, grávida e mãe de menina, mais do que como deputada. Imaginar minha filha estuprada é desesperador, um horror! O Brasil não é seguro para meninas e mulheres: ao menos uma mulher é estuprada a cada 10 minutos; 19 mil meninas de 10 a 14 anos se tornam mães todos os anos —muitas depois de serem violentadas em seus próprios lares.

Apesar da urgência para frear esse quadro, temos retrocedido, como nas últimas semanas, na Comissão dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados. Na contramão do acúmulo sobre justiça sexual e reprodutiva, de tratados internacionais dos quais o nosso país é signatário, de normas explícitas no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), assistimos a um show de anticiência, fundamentalismo religioso e violência. Os que têm sustentado as vergonhas da bolsonarista Damares Alves querem ressuscitar o famigerado Estatuto do Nascituro (PL 478/2007).

A ideia abstrata de atribuir direitos fundamentais ao embrião parte de uma concepção de que "ele" tem o mesmo status jurídico de pessoas nascidas e vivas. Além de uma noção anticientífica e violadora do Estado laico, é grave ataque às meninas, mulheres e demais pessoas que gestam. Dificulta o acesso ao aborto legal, obrigando meninas estupradas e grávidas com risco de vida ou com fetos sem viabilidade fora do útero a manterem a gestação.

Ao dar proteção integral ao nascituro, a lei pode proibir a interrupção da gravidez mesmo que seja para preservar a saúde ou a vida da mulher. Um escandaloso caso recente em São Paulo —em que uma juíza negou direito ao aborto a uma mulher com feto anencéfalo— é exemplo dos riscos dessa matéria. Obrigar a seguir uma gestação nesses termos é tortura. O PL também pode limitar o acesso a alguns métodos contraceptivos, e quem sofrer aborto espontâneo pode virar alvo de investigação policial por violar a suposta vida do embrião.

Nas últimas semanas —apesar do autoritarismo de deputados fundamentalistas e bolsonaristas, das agressões físicas, de interrupções de fala e do fechamento da Comissão à participação do povo—, uma bonita bancada feminista, fortalecida pelas militantes da sociedade civil, conseguiu barrar o projeto de lei.

Nas próximas reuniões, agora com poucos procedimentos de obstrução, teremos mais luta.
É preciso uma grande mobilização para impedir a aprovação da matéria, que contraria avanços na América Latina, vide Argentina e Colômbia. É hora de fortalecer políticas para reduzir a violência contra mulheres e meninas, enfrentar a cultura do estupro com campanhas públicas e educação não sexista.

O fundamentalismo religioso e as fake news foram combustíveis para a destruição dos últimos anos. Essa não é uma pauta secundária ou de costumes. Mulheres e meninas protegidas são pressupostos para um país democrático. Estaremos firmes contra a sanha conservadora daquele espaço e em todos os outros que ferem a nossa existência. Estuprador não é pai. Criança não é mãe. Se fosse sua filha, você defenderia a vida dela ou a do embrião?

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