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Ricardo Abramovay

Sustentabilidade e dietas saudáveis

Dependemos de produtos agropecuários hoje sob forte contestação

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Ricardo Abramovay

Professor titular da Cátedra Josué de Castro da Faculdade de Saúde Pública da USP e autor de “Infraestrutura para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia” (ed. Elefante)

É dupla a mensagem transmitida pelas medidas de reconstrução das políticas socioambientais do Estado brasileiro. A primeira é que o país reconhece sua dívida histórica com os povos da floresta e com a manutenção de um patrimônio que presta serviço não só aos brasileiros, mas ao conjunto da humanidade.

A segunda mensagem tem importância econômica crucial. O território brasileiro que abriga a floresta amazônica e o cerrado, a savana de maior biodiversidade do planeta, não pode mais ser considerado como uma fronteira agrícola a ser desbravada. A economia da destruição da natureza não pode continuar como vetor de parte importante da expansão agropecuária.

Marina Silva na cerimônia de posse como ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira/Folhapress

É verdade que a agricultura brasileira obteve ganhos gigantescos de produtividade e de eficiência nas últimas décadas e venceu processos competitivos que a colocaram no epicentro do sistema agroalimentar global. Tais ganhos, entretanto, são marcados por dois problemas que precisam ser enfrentados.

O primeiro é que o aumento da produtividade, tanto da agricultura como da pecuária, não impediu que essas atividades continuassem avançando em direção a territórios que deveriam estar sob proteção.

Esse avanço tem motivação muito mais patrimonial do que produtiva, mas, ao longo do tempo, parte ao menos das terras devastadas acabam sendo ocupadas por atividades agropecuárias. É urgente interromper essa ocupação, e a recomposição do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática, nesta direção, é fundamental.

O segundo problema ligado ao desempenho da agropecuária brasileira está no tão propagandeado mito de que "agro é tudo". O país não pode mais cultivar a ilusão de que vai alimentar o mundo. As carnes formam hoje o coração do sistema agroalimentar global, e o Brasil tem papel decisivo tanto nas exportações de proteínas animais como nas de grãos voltados à alimentação animal.

Por mais que esse papel resulte de capacidade competitiva, de pesquisa e de eficiente controle sanitário animal, os produtos mais importantes da pauta brasileira inserem-se em regimes alimentares que o mundo quer transformar.

Revistas científicas, documentos de organizações multilaterais e os mais de cem guias alimentares de diferentes países convergem em direção à necessidade de aumentar a participação de verduras, legumes e frutas —e diminuir a de produtos animais nas dietas contemporâneas.

É imenso o risco de dependermos tão profundamente de produtos cujo consumo encontra-se sob forte contestação do ponto de vista tanto do meio ambiente como da saúde pública. Mas, pode-se alegar, países desenvolvidos também são grandes exportadores de commodities agropecuárias. Tanto é assim que as exportações agropecuárias norte-americanas são o dobro das brasileiras. Só que elas correspondem a 7% do total exportado pelos EUA, enquanto no Brasil, 35% de tudo o que o país vende vem da agropecuária. E essas vendas concentram-se em alguns poucos produtos, parte dos quais voltados exatamente para aquilo cuja redução no consumo é urgente em função de seus impactos socioambientais.

Enfrentar esta questão é investir seriamente na certificação socioambiental da produção agropecuária brasileira, o que permitirá ao país exportar não o produto da destruição de sua biodiversidade, mas, ao contrário, o resultado de métodos capazes de regenerar aquilo que vem sendo devastado e de contribuir à luta contra a crise climática.

Ao mesmo tempo, é fundamental ampliar a diversidade daquilo que os brasileiros comem, aproveitando a riqueza não só de nossos diferentes biomas, mas também de nossas tradições culinárias.

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