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Otávio Rêgo Barros

Militares profissionais coexistem com o controle civil

Somos uma democracia débil e por isso não alcançamos a subordinação?

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Otávio Rêgo Barros

General da reserva, é ex-chefe do Centro de Comunicação Social do Exército e ex-porta-voz da Presidência da República (governo Bolsonaro)

Há um consenso nas democracias longevas de que a harmonia das relações entre civis e militares passa pela submissão do estamento armado ao controle político.

A teoria, elaborada no final do século 18, tomou forma pelo temor dos pais fundadores da nação americana de que o Exército continental, após a independência, pudesse rebelar-se contra os próceres.
Em meados do século 20, o conceito foi sistematizado e apresentado por Samuel P. Huntington na obra "O Soldado e o Estado".

O professor defendia que o controle civil objetivo era mais eficiente, desde que reconhecesse e apoiasse a necessidade do profissionalismo militar. Compreendia profissionalismo militar na obrigação do oficial de ser especializado, responsável e corporativo. Com pragmatismo, destacava que essa busca por controle derivava também do desejo de civis em maximizar poderes.

Reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica no Palácio do Planalto, em Brasília - Ricardo Stuckert - 20.jan.23/PR/Divulgação

A antítese ao sistema defendido como ideal era o controle civil subjetivo visto no envolvimento do militar em política institucional, classista e constitucional.

Segundo ele, a relação entre poder, profissionalismo e ideologia subsistia em um jogo de forças dinâmicas. Conforme prevalecesse e interagisse um com o outro, o país seria mais ou menos estável. E alertava: a manutenção do equilíbrio entre o poder e a ideologia "era, obviamente, difícil no melhor dos casos". Aconselhava que o poder civil deveria vestir-se de neutralidade ao reduzir o poder militar no campo político —ou seria um usurpador da força das armas.

Em nosso país, é opinião comum que precisamos encontrar um caminho para sanear o histórico envolvimento do militar na política. No entanto, de forma simplória, intenta-se um "copiar e colar" de nações democráticas de primeiro mundo.

Mas a importação dessas ideias para uma sociedade com as nossas características se revela quase inalcançável e exigirá amplitude de debate.

Um estudioso da história militar e da política brasileira afirmou que Huntington é muito bom para países democráticos, mas nossa história está tão imbricada com o que somos e como participamos da vida política que não será tarefa fácil.

Somos uma democracia débil e por isso não alcançamos a subordinação dos militares aos civis? O pecado do envolvimento dos militares com a política não tem redenção e seguiremos em atrito?

É fato que vivemos um ambiente de instabilidade política, econômica, psicossocial e militar, precisando reafirmar, a cada crise, que somos maduros democraticamente.

Edmundo Coelho, na obra "Em Busca da Identidade", na qual estuda o Exército e a política na sociedade brasileira, atesta que é utopia acreditar na marcha rápida em direção a uma sociedade plenamente democrática em um processo linear e irreversível. Haverá escorregões e quedas até que atinjamos relativa segurança social.

Ele ainda afirmou que é rematada tolice defender a irrelevância das motivações estritamente militares. Elas permanecem intensas.

Sou crente na ideia de que reconhecer os interesses e necessidades do estamento militar é o caminho mais curto para o controle civil objetivo. Para isso, é preciso descer do pedestal das discussões e efetivar ações.

Será preciso compreensão mútua entre poder político e poder militar de que suas fortalezas e debilidades são comuns e, portanto, podem ser compartilhadas e combatidas, respectivamente, em trabalho não personalista, não ideológico e não partidário.

Será preciso que as feridas dos últimos anos, e que sangraram profusamente em 8 de janeiro, sejam reconhecidas e punidas, não importando se os responsáveis usam calças jeans ou uniformes camuflados.

Remato com uma construção de Huntington: "O maior serviço que os militares podem prestar é permanecer fiéis a si mesmos, servir em silêncio e com coragem à maneira militar. Se os civis permitirem que os soldados se apeguem ao padrão militar, as próprias nações acabarão encontrando a redenção e a segurança ao fazerem desse padrão algo próprio e inalienável".

Nem tutelar nem ser tutelado. Coexistir e conviver. São as colunas que devem sustentar essa relação.

Paz e bem!

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