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André Porto

Pela democratização do transporte rodoviário de passageiros

Aumento da oferta proporciona redução nos preços da passagem

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André Porto

Diretor-executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec)

Chega a ser lugar-comum na discussão econômica e de políticas públicas a constatação de que o aumento da oferta e competição entre prestadores de um determinado serviço proporciona inquestionáveis benefícios ao consumidor, seja na forma de preços mais baixos, ou melhoria da qualidade na prestação do serviço. Não é diferente no transporte rodoviário interestadual de passageiros (Trip).

Recentemente, foi amplamente noticiado pela imprensa pesquisa que mostrou de forma inequívoca os benefícios do aumento da competição entre empresas no transporte rodoviário regular de passageiros.

Nas rotas de ônibus com maior concorrência, foi observada uma redução nos preços da passagem da ordem de até 51%, considerando a tarifa média. O levantamento, feito pelo metabuscador de passagens de ônibus Check My Bus, analisou o preço médio das passagens nas seis viagens mais buscadas pelos brasileiros. Foi nas rotas Belo Horizonte-São Paulo e Rio de Janeiro-São Paulo, justamente as que mais receberam novos players e plataformas nos últimos anos, que se notou maior queda de preço entre 2019 e 2022: 51% e 32% respectivamente. Anteriormente, esse mesmo buscador havia feito um comparativo das rotas mais buscadas entre 2019 e 2021 e concluiu que a redução chegou a 60%, atribuindo a queda de preço aos novos modelos de viagem e novos entrantes.

Passageiros no Terminal Rodoviário do Tietê, em São Paulo - Ricardo Matsukawa/UOL

Cabe questionar, portanto, o porquê de o país não conseguir acelerar a competição nesse segmento tão importante para a economia, que ainda permanece como um dos mais oligopolizados, dominados por poucos grupos empresariais avessos à concorrência.

O Brasil já possui um arcabouço regulatório em direção ao aumento da oferta de empresas e serviços no transporte rodoviário regular de passageiros, que é o regime de autorização para operação de novas linhas interestaduais. Embora não tenha sido efetivado e consolidado, o regime, no artigo 21º da Constituição Federal e regulamentado pela lei 12.996/2014 durante o governo da presidente Dilma Rousseff (PT), permitiu por um curto espaço de tempo que fossem outorgadas novas autorizações para novos mercados e agentes.

Entre meados de 2019 e março de 2021, foram concedidas 22.620 ligações interestaduais, número que poderia subir para 48.263 ligações se fossem considerados os pedidos já protocolados e hoje em análise na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Além dos dados da Check My Bus citados acima, mostrando os benefícios da concorrência, números da agência reguladora nos fazem chegar à mesma conclusão: com a criação dessas novas linhas, houve redução de 10% nos preços das passagens.

Além de permitir a entrada de novos players, a prevalência de um ambiente de negócios aberto tem potencial também para aumentar o número de municípios atendidos pelo Trip de cerca de 1.882 para 2.300, caminhando efetivamente em direção a uma maior abrangência desse modal. O aumento potencial de usuários seria de 149 milhões para 163 milhões de pessoas, sendo que a maioria delas não possui renda suficiente para optar por outras modais, como o aéreo. Tal como adotado por diversos setores econômicos, como serviços de telecomunicações, transporte ferroviário e aviação, a consolidação do regime de autorização para outorga do serviço de transporte rodoviário interestadual de passageiros tem um potencial de trazer enormes benefícios para a sociedade.

No entanto, tentativas de obstrução desse processo, principalmente por meio da judicialização, interromperam o que poderia vir a ser a verdadeira democratização do transporte rodoviário de passageiros no país nos últimos anos. A verdade é que ainda há barreiras travando a abertura desse setor, como a finalização do processo de criação e implementação do novo marco regulatório do Trip e a falta de uma regulamentação adequada às plataformas de intermediação, bem como a longa janela para serem emitidas novas autorizações para o setor regular de transporte. Isso tudo trava o setor.

O Tribunal de Contas da União, em decisão recente, deu um importante passo em direção à democratização desse mercado ao revogar medida cautelar que impedia a ANTT de outorgar novas linhas por meio de autorizações. Agora, volta a necessidade urgente de se aprovar o marco regulatório do setor que precisa favorecer a concorrência, cabendo à ANTT cumprir a lei e adotar as medidas necessárias para dar ainda mais opções para aqueles que estão na ponta da linha, que são os passageiros.

Enquanto aguardamos o novo marco que precisa ser brevemente apreciado pelos diretores da agência, a ANTT já colocou em discussão penalidades e medidas administrativas por meio de novas regras. Trata-se de discussão primordial, na qual acreditamos que é importante que seja mantido sempre o foco no usuário e na qualidade do serviço, fiscalizando e repreendendo as infrações —e não inviabilize, no lugar, empresas e empresários, tampouco desestimule investimentos no setor e o uso de novas tecnologias e modelos inovadores.

Ou seja, estamos no caminho, mas ainda há de se percorrer um longo percurso até que haja avanços essenciais. O país precisa acelerar o processo de democratização e de acesso ao transporte rodoviário de passageiros, e isso passa pela necessidade de se desburocratizar e abrir o setor para novos entrantes. O foco das decisões tem que estar na segurança, no bem-estar da população usuária e no imenso impacto econômico positivo que o aumento de linhas de ônibus vai proporcionar. É nisso que devemos mirar.

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