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Leonardo Massud

Robinho e a jurisdição brasileira

Eventual cumprimento de pena no país deveria exigir novo processo penal

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Leonardo Massud

Advogado, é professor de direito penal da PUC-SP

O ex-jogador de futebol Robinho, 39, foi condenado definitivamente pela Justiça italiana a nove anos de prisão pelo abjeto crime de estupro. Com o avanço, ainda lento, de uma série de direitos das mulheres, a sociedade tem se mostrado menos tolerante com atos que há séculos as vitimizam. Por essa e outras razões —a notoriedade do ex-jogador e o alcance midiático do caso—, nota-se uma quase unanimidade na exigência de que ele cumpra sua pena no Brasil. Porém, se prevalecer a normalidade jurídica —expressão que sugere uma imagem desbotada—, tal cumprimento não poderá ocorrer. Ao menos não do modo fácil como querem alguns respeitáveis formadores de opinião.

E não se trata de mera tecnicalidade. O Brasil, além de não extraditar o brasileiro nato, não se presta a ser cartório ou verdugo de nações estrangeiras. Não porque abrace a impunidade, mas porque compreende que a lei penal —que deriva (ou ao menos deveria derivar) da vontade da população brasileira— contém um plexo de valores que expressam o mínimo ético de nossa sociedade, nas escolhas daquilo que criminalizamos, nas penas que atribuímos e o modo como procuramos a responsabilidade penal de alguém, permitindo algumas provas, proibindo outras, e atribuindo, inclusive, regras sobre como valorá-las.

Robinho defendia o Milan quando ocorreu o crime, em 2013 - Olivier Morin - 28.set.13/AFP - AFP

Há regras, ainda, de como pode atuar a defesa e coibimos, em inúmeras situações, o seu cerceamento.
Toda essa ordem de coisas é fruto da complexidade de relações que constituem nossa formação social, evolução histórica e política, revelando, por meio do sistema jurídico, uma importante parte da nossa identidade. Esse desenho da expressão de uma nação está protegido sob o manto do que se chama de soberania nacional. Por isso, nenhuma nação deve submeter-se ou submeter a outra, impondo seu modo de organização social, tampouco a forma com que trata seus conflitos.

Não por outra razão, o art. 8º do Código Penal (CP) apenas prevê a homologação de sentença estrangeira para reparação do dano, ou, ainda, para cumprimento de medida de segurança (tratamento de inimputáveis).

Nem se diga que a lei 13.445/17 (Imigração) teria modificado esse panorama, o que permitiria que Robinho cumprisse pena no Brasil. Embora preveja a possibilidade de transferência de execução da pena, a premissa do seu art. 100 é suficientemente clara para afastar essa possibilidade para o jogador. O dispositivo diz que "nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, a autoridade competente poderá solicitar ou autorizar a transferência de execução de pena, desde que observado o princípio do ‘non bis in idem’ (dupla punição pelo mesmo fato)". Ora, se a nossa Constituição proíbe a extradição de nacionais (art. 5º, inciso LI), não há extradição executória para Robinho e, por consequência, não cabe a transferência da execução de sua pena. Simples assim.

Isso não significa que o Brasil seja leniente com o nacional que pratica crime no exterior. Numa exceção à territorialidade que rege sua jurisdição, o art. 7º, § 2º, do CP permite julgar aqui esses crimes, desde que a pessoa entre no Brasil; não tenha sido absolvida ou cumprido pena no exterior; não tenha sido perdoada ou tenha a punibilidade extinta no estrangeiro; e que o fato seja punível lá e aqui e seja o crime passível de extradição. Presentes tais condições no caso Robinho, deveria o Ministério Público brasileiro, em vez de guiar-se pelo apelo popular, iniciar um novo processo penal. Ao fim deste, se a Justiça entender pela sua culpabilidade de acordo com as regras do direito brasileiro, poderá aplicar-lhe as penas previstas em nosso país.

Qualquer outra solução será ilegal e abrirá perigoso precedente para que o Brasil passe a se guiar não mais pela soberania de seu povo, mas pela vontade de nações estrangeiras —inclusive aquelas que restringem o direito de defesa e admitem a obtenção forçada ou ilícita de prova, ou seja, com o desprezo de princípios caros aos brasileiros.

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