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Georges Abboud e Victor Drummond

Direito autoral não é favor

Projeto que regula redes sociais deve observar remuneração de artistas no meio digital

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Georges Abboud

Advogado, livre-docente e professor da PUC-SP

Victor Drummond

Professor e advogado

Direito autoral não é favor. No entanto, o que se lê todos os dias nas redes sociais, é justamente o contrário. E pior: esse tipo de discurso preconceituoso contra a classe artística nem é coisa de hoje. Faz tempo que os artistas brasileiros têm perdido espaço na mídia graças à ideia de que os valores recebidos pelo desempenho de seu ofício seriam "benesses indevidas".

É difícil não lembrar de Robert Musil, para quem já vivemos, desde o século 20, na "Era da Estupidez": todos os dias, a inteligência é interrompida pela tendência cega à destruição. Por isso mesmo, entre uma parte de nós, dizer que os artistas "mamam na teta da Rouanet" tornou-se um hábito dos mais estúpidos.

Mas ser o objeto desse ódio não é exclusividade dos artistas. Em um ambiente desregulado, como o das redes sociais, ofender a todos virou esporte nacional. Ninguém é poupado, seja lá qual for sua posição ou ideologia. As mentiras e as ofensas tomaram conta da comunicação. O que se diz, ou seja, o tema, é o que menos importa.

Para barrar esses excessos é que se criou o PL 2.630/20, de relatoria do deputado Orlando Silva (PC do B-SP). Apelidado, erroneamente, de PL das Fake News, o projeto busca regular o ambiente comunicacional das redes sociais no Brasil, considerando o papel que esses produtos das big techs desempenham nas democracias contemporâneas. PL das Fake News é uma contradição em termos, porque ele almeja criar um horizonte em que haja menos violência e desinformação na internet.

Voltando às atividades vinculadas ao setor artístico, elas são parte da engrenagem digital. Parte significativa do que temos acesso e interagimos todos os dias é manifestação artística. E já há gente que vive mais nas redes do que fora delas. Cada vídeo, música, texto, possui o DNA de algum criador e o sistema de direitos autorais está completamente inserido no universo digital. Seu objetivo é regularizar, na sociedade, a relação entre os criadores —para que eles sigam estimulados a criar e interpretar, e o público, para que este possa usufruir do resultado de seu esforço artístico e intelectual.

Mas para que haja criação é fundamental que haja estímulo, o que vem estado cada vez menos presente na vida dos criadores. Muitos artistas estão abandonando as suas profissões. Estão deixando de ser músicos, de atuar, de escrever roteiros, de dirigir. Particularmente nos setores audiovisual e musical, as formas de contratar que impõem cláusulas inegociáveis e as remunerações, são cada dia mais estranguladoras das possibilidades de ganho dos criadores. Na música, as demandas indicam que os valores vêm diminuindo de forma ostensiva por práticas de mercado impostas pelas plataformas.

No audiovisual, o escárnio é ofensivo. Na última semana, deputados ficaram espantados ao saber que atores, roteiristas e diretores não recebem nenhuma remuneração adicional no meio digital. No salto do mundo analógico ao digital, concretamente perderam-se direitos e a possibilidade de negociá-los.

Se é no ambiente digital que nossas vidas hoje se passam e as atividades culturais se apresentam de forma constante, é nosso dever regular essas relações de forma a garantir dignidade aos criadores para que eles possam estar minimamente protegidos e sejam estimulados. Nada mais adequado para tratar os direitos autorais digitais do que a lei que irá regular o ambiente digital. Por isso, seu lugar é no PL 2.630.

Diga-se de passagem, que a oposição das big techs a esse tema, como a todos os outros, se fantasia de protesto contra o cerceamento da liberdade de expressão. Isso não passa de uma cortina de fumaça. O que se pretende é não reconhecer e nem pagar direitos.

Para os criadores, a palavra "sobrevivência" acompanha a sua luta, diante de tantas dificuldades impostas. E é por isso que o PL necessita conter os artigos que garantem a remuneração aos artistas no meio digital.

Não é favor, é garantia de dignidade!

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