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Benjamin Seroussi, Marcela Amaral e Iara Rolnik

Papel(ão) do jornalismo

Folha adota tom jocoso e superficial para abordar luta contra o antissemitismo

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Benjamin Seroussi

Curador e editor, é mestre em sociologia (École Normale Supérieure) e gestão cultural (Sciences-Po) e diretor artístico da Casa do Povo

Marcela Amaral

MBA em gestão de bens culturais (FGV), é diretora de operações da Casa do Povo

Iara Rolnik

Graduada em sociologia (USP) e mestre em demografia (Unicamp), é diretora de programas do Instituto Ibirapitanga e presidente do Conselho Deliberativo da Casa do Povo

Não há cultura de paz sem conflitos. Por isso, o combate ao antissemitismo e às inúmeras formas de preconceito demanda espaços de diálogo de qualidade. A imprensa, em vez de promover a saudável exposição de ideias divergentes, tem incentivado polêmicas, contribuindo para um espaço público polarizado.

Foi o que fez esta Folha a respeito do debate que surgiu da presença de conteúdos antissemitas em obras apresentadas em 2022 na última Documenta, megaexposição que acontece a cada cinco anos em Kassel, na Alemanha.

Mural de desenhos
Detalhe da obra "People's Justice", do coletivo da Indonésia Taring Padi, acusada de antissemitismo - Reprodução - Reprodução

Na reportagem de 10 de abril, sob o título "Papelão" (na versão digital, "Artistas acusados de antissemitismo vêm ao Brasil e trabalham com MST", 8/4), a Folha deu o tom jocoso, pouco aprofundado e desrespeitoso com o qual tratou a luta contra o antissemitismo. O texto se refere ao convite que a Casa do Povo, instituição judaica brasileira que atua há 70 anos, fez ao Taring Padi, para uma imersão crítica de três semanas na escola nacional do MST.

Taring Padi é o coletivo indonésio que expôs na Documenta pintura que continha duas figuras antissemitas. A obra foi retirada na abertura e, em seguida, o grupo pediu desculpas no site da mostra, o que nos pareceu uma base fértil para abrir esse diálogo restaurativo.

O convite não veio por acaso. A Casa do Povo acompanhou a preparação da Documenta, indicando artistas e interlocutores para os curadores. No auge da crise, acompanhamos a luta contra o antissemitismo que surgiu por causa dessas imagens. Testemunhamos também a instrumentalização delas para silenciar outros artistas cujas pautas incomodavam. Por isso, ao mesmo tempo em que denunciamos o antissemitismo, criticamos a retaliação que tentou abafar o alcance de um evento norteador nas artes, gerando violências físicas e digitais.

Taring Padi é um coletivo de 80 integrantes. Nasceu em 1998 nos protestos contra a ditadura de Suharto e desenvolve seu trabalho junto a movimentos sociais de seu país. Criou pontes entre arte e política, revisitando o muralismo à luz da cultura anarcopunk e das tradições populares javanesas.

Sim, duas figuras de cunho antissemita integram um dos trabalhos do coletivo. A genealogia dessas imagens foi destrinchada neste jornal com precisão pela artista, curadora e professora da USP Giselle Beiguelman. Giselle analisou as imagens, nós procuramos as pessoas que as produziram. Quem melhor que uma instituição judaica para fazer isso?

A luta contra o antissemitismo não se limita à denúncia —nem às desculpas. A Casa do Povo tem se destacado no exercício diário, por vezes silencioso, de tecer solidariedades para lutar contra preconceitos. Procuramos o coletivo Taring Padi porque o estreitamento de laços e a criação de comunidade possibilitam uma abertura para a mudança.

O objetivo é gerar conhecimento mútuo, além do noticiário, para desmontar preconceitos. Estamos cientes dos limites das práticas restaurativas e das frustrações que podem gerar, assim como sabemos também que a denúncia e a condenação, sozinhas, não geram transformação. Mas não queremos desperdiçar oportunidades que elevam o debate sobre a produção e a recepção de obras de arte, a representação do outro e a luta contra o racismo e o antissemitismo.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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