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Adriana Cruz e Karen Luise Souza

A Justiça deve respostas

Cabe-nos viabilizar acolhimento, orientação, encaminhamento e reparação

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Adriana Cruz e Karen Luise Souza

Juízas integrantes do Comitê Executivo do Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário (Conselho Nacional de Justiça)

Ela morreu sem resposta. Uma afirmação com substantivo próprio: Laura Ramos de Azevedo foi vítima de um câncer, em 17 de março, sem ver julgados os executores de seu filho Lucas, 18, denunciados à Justiça porque ela diligenciou por si só as provas que o Estado não se interessou em buscar.

Havia vídeos, fotografia e bastava querer encontrar. Outras tantas poderiam ser nominadas: Mães de Manguinhos, de Maio, de São Paulo e do Nordeste, dilaceradas pela violência sobre os seus. Elas transitam ignoradas entre hospitais, delegacias e corredores de foros. Carentes de informações e assistência, transbordam força para reunir provas, denunciar e lutar por justiça.

As Mães de Manguinhos, que lutam por Justiça em nome dos filhos, mortos pela polícia na favela - Tércio Teixeira - 16.set.20/Folhapress

Ao refletirmos sobre variadas formas e desafios de ser mulher e as violências múltiplas, é corrente citar as palavras da afro-americana Sojourner Truth no histórico discurso de 1851 quando, ao invocar os direitos das mulheres negras, indagou: "E eu não sou uma mulher?".

No Brasil, país forjado e alimentado pela diáspora africana, a resposta dura precisa ser encarada: "Sim, somos negras mulheres!". Mas o racismo nos vê homogêneas e imputa a todas as escolhas de algumas. Individualidade é privilégio que nos é negado.

O sistema de Justiça é um entre os vários campos de disputa, e a luta pela cidadania tem sido feroz. Mas precisamos extrair da tristeza, esperança. Há fissuras no muro que insiste em manter mulheres negras, maioria no país, longe de seus direitos. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao se abrir para a sociedade civil, tornou-se um espaço importante para a construção de uma história diferente.

A resolução CNJ 253/2018 definiu a política do Poder Judiciário de atendimento e apoio às vítimas de crimes e atos infracionais para viabilizar acolhimento, orientação, encaminhamento e reparação. Estão incluídos cônjuges, companheiros, familiares em linha reta, irmãos e dependentes das vítimas. Essas pessoas, usualmente negligenciadas nos processos, são em sua maioria mulheres negras. No âmbito dessa política, o CNJ criou os Centros Especializados de Atenção às Vítimas, a serem instalados em todos os tribunais para oferecer atendimento em uma perspectiva protetiva, evitando a sobrevitimização.

Outra medida é a adoção do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero (resolução CNJ 490/2023), que estabelece diretrizes para análise de litígios nos quais as assimetrias de gênero e raça estejam presentes para garantir decisões sem discriminações, intolerâncias e estereótipos.

Incorporadas pela comunidade jurídica, as resoluções serão instrumentos valiosos para construir uma jurisdição inclusiva e sem violência institucional. Cabe um fazer humano, que converta a mera reprovação a violações de direitos em atos concretos para transformar as vidas daquelas que, visibilizadas, também carregam a marca de ser mulher.

Como Sojourner, tomamos para nós a potência de nos rebatizarmos na caminhada com nossas irmãs. A rota da liberdade inscrita em nossas tranças é o norte na busca das respostas que muitas que tombaram nunca tiveram.

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