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Opção de Lula por evitar ajustes econômicos eleva riscos para o país e o governo

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - Patrícia de Melo Moreira/AFP

Reconheça-se que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) iniciou seu terceiro mandato de presidente da República em uma situação difícil. Eleito por margem minúscula de votos, governa um país polarizado.

Seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), não deixou como legado somente uma legião de seguidores dispostos a abraçar a causa golpista. Na administração federal o descalabro espalhava-se por áreas como educação, saúde, ambiente, relações exteriores, direitos humanos, cultura. As Forças Armadas viveram perigosa politização.

O Congresso Nacional, que acostumou-se a mais poder e autonomia nos últimos anos, caminhou para a direita no pleito de 2022. O preço do dominante centrão elevou-se, e a oposição ganha agressividade com o bolsonarismo.

A seu favor, Lula contou com amplo apoio doméstico e internacional em reação aos ataques infames de 8 de janeiro às sedes dos três Poderes. O petista restaurou a normalidade das relações institucionais, aí incluídos os militares.

Soube também aproveitar as boas expectativas globais para reinserir o Brasil no debate sobre o clima —ainda que a imagem do país seja prejudicada pela dubiedade quanto à Guerra da Ucrânia.

O PT resiste a dividir o poder, mas ao menos o governo atraiu nomes de partidos ao centro, como MDB e PSD. O Planalto também tem sido cauteloso e pragmático nas relações com a Câmara e o Senado.

Com não mais de 38% de aprovação, segundo o Datafolha, ante 29% que consideram sua gestão ruim ou péssima, Lula evita medidas que ameacem sua popularidade. Além disso, busca fidelizar seus eleitores com o relançamento de programas sociais e, sobretudo, com mais gasto público.

A vinculação da política econômica a essa lógica de curto prazo e ao revanchismo ideológico é a maior ameaça ao sucesso do governo.

Se Bolsonaro já havia estourado os limites orçamentários ao final de seu mandato, na tentativa de reeleger-se, Lula nem mesmo esperou a posse para elevar a despesa pública em mais de R$ 100 bilhões.

O Tesouro desembolsou pouco mais de R$ 1,9 trilhão no ano passado, em valores corrigidos —um recorde histórico, excetuando-se os dispêndios extraordinários da pandemia. Neste início de governo, que deveria ser de ajustes, a conta passará dos R$ 2 trilhões.

Para o comando da Fazenda foi escolhido um quadro fiel do partido e candidato potencial à sucessão presidencial, Fernando Haddad, ao qual cabe a ingrata tarefa de reequilibrar o Orçamento e conter a escalada da dívida pública.

Os primeiros passos merecem o ceticismo com que foram recebidos. A regra fiscal proposta por Haddad revela que Brasília pretende continuar elevando gastos continuamente, num ritmo entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da inflação.

Assim, a eliminação do gigantesco déficit público dependerá de um salto da arrecadação de impostos —o que, além de muito duvidoso, será provavelmente nocivo para a economia se materializado.

O mecanismo incentiva o aumento de uma carga tributária já excessiva para um país de renda média, na casa de 33% do Produto Interno Bruto, o que torna a missão técnica e politicamente intrincada. Enquanto isso, mais despesas permanentes vão sendo contratadas.

Só na semana que passou, aprovou-se o reajuste salarial dos servidores públicos e anunciou-se a correção da tabela do Imposto de Renda, que reduzirá a receita.

Também desde antes da posse, Lula turvou o ambiente econômico ao iniciar uma ofensiva demagógica contra os juros do Banco Central. Embora amplamente aprovada pelo eleitorado, a campanha apenas dificultou a queda das taxas ao elevar as expectativas para a inflação de 2023 de 4,9%, no início de novembro, para 6% agora.

Por fim, o Planalto patrocina retrocessos em reformas importantes dos últimos anos, como o marco do saneamento e a Lei das Estatais. Ensaia-se ainda a volta do crédito subsidiado do BNDES para setores favorecidos.

Passaram-se apenas quatro meses, é verdade. Entretanto é nessa etapa inicial que se devem fazer as escolhas capazes de definir o sucesso do mandato.

A opção por evitar ajustes econômicos e orçamentários, se não for revista, eleva sobremaneira os riscos que pairam sobre o governo e o país. Lula teve méritos e sorte em seus dois primeiros mandatos —e não deveria depender demais da segunda desta vez.

editoriais@grupofolha.com.br

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