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Motim na Rússia

Putin controla rebelião de mercenários, mas desgaste está por ser mensurado

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Tanque com soldados do Grupo Wagner na cidade de Rostov-on-Don (Rússia) - Stringer/Reuters

Paralelos históricos são tentadores quando o extraordinário se desenrola em tempo real.

A Rússia é pródiga em episódios dramáticos, como mostrou o jornalista americano John Reed em seu clássico e panfletário "Dez dias que abalaram o mundo", de 1919, o mais próximo de uma narrativa instantânea da crise de 1917, que viria a parir a União Soviética em 1922.

De sexta a sábado (24), Vladimir Putin enfrentou o primeiro motim armado em 23 anos de poder no Kremlin —e por dois dias, se não foi abalado, o mundo prendeu a respiração. Por distintas que sejam as realidades, foi o líder russo o primeiro a lembrar de 1917.

Em um discurso severo, prometendo punir as forças mercenárias de seu ex-aliado Ievguêni Prigojin, citou "facada nas costas do povo", "colapso do Exército" e "russos matando russos", itens na ordem do dia 106 anos atrás.

A dramaticidade acompanhava o movimento dos soldados do Grupo Wagner, uma criação de Prigojin alimentada por Putin, ao tomar a importante Rostov-do-Don e avançar em comboio, com combates esporádicos, rumo a Moscou.

Com a mesma rapidez, veio a dissolução da crise, com ares de pastiche. Prigojin chamou seus homens de volta e rumou para Belarus. Nesta segunda-feira (26), disse que não buscava derrubar Putin, mas evitar a destruição de seu grupo e "responsabilizar" os culpados pela campanha errática da Rússia na Ucrânia.

Com escassez factual, não falta quem teorize uma conspiração para desarmar o Wagner —que ganhou muita musculatura, sendo central na Guerra da Ucrânia, além de operar em vários países.

Prigojin, o rude ex-presidiário tornado "chef de Putin", por servir as refeições do Kremlin e pela amizade com o chefe, em si não era talhado para liderar uma revolução, como comentaristas ocidentais chegaram a sugerir na crise.

Seu objetivo agora declarado era derrubar o ministro da Defesa, Serguei Choigu, seu rival que buscava enquadrar os mercenários.

Putin —um dirigente autocrático que explora politicamente a imagem de sua força— manteve o controle da Rússia em meio ao maior desafio doméstico que enfrentou, mas o preço real do desgaste evidente que sofreu ainda terá de ser mensurado.

No mínimo, o motim mostrou que as divisões estimuladas pelo presidente para manter o poder têm preço impagável. Um país com vários Exércitos não tem nenhum.

Essa é uma péssima assertiva para quem está em guerra, como a Rússia já teve a oportunidade de aprender em sua história A opacidade em torno dos acontecimentos, todavia, torna a resultante da revolta insondável por ora.

editoriais@grupofolha.com.br

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