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José A. Moura Neto

A crise humanitária da diálise no Brasil

Pacientes estão à espera de vagas e soluções para sobreviver

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José A. Moura Neto

Presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia

Pacientes com doença renal crônica em seu estágio mais avançado precisam realizar diálise para a manutenção de suas vidas. A terapia renal substitutiva no Brasil divide-se em hemodiálise, hemodiafiltração, diálise peritoneal e o transplante renal. Enquanto o transplante renal depende da compatibilidade, da condição clínica do paciente e esbarra na oferta (insuficiente) de órgãos, as terapias dialíticas dependem de disponibilidade de máquinas, insumos e vagas em clínicas —variáveis que poderíamos controlar, mas que infelizmente temos falhado em gerenciar há algum tempo.

Faltam vagas em clínicas de diálise no sistema público de saúde. Em levantamento recente realizado com secretarias estaduais de Saúde e divulgado em reportagem especial no Jornal Nacional, cerca de 1.500 pacientes aguardavam vagas em clínicas de diálise —em apenas oito estados da Federação e no Distrito Federal.

Na imagem aparece um braço tatuado e com fístula de acesso para o tratamento de hemodiálise
Paciente em processo de hemodiálise - Divulgação

A principal causa dessa falta de vagas é o subfinanciamento do setor. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia, 80% dos pacientes em diálise são atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O Ministério da Saúde acenou com um reajuste insuficiente para a hemodiálise que, a partir de setembro, será de R$ 240 por sessão, enquanto o custo médio atual é de R$ 302.

Engana-se quem pensa que este é um problema do atual governo. Ou do anterior. Essa defasagem flagrante foi se estabelecendo ao longo de anos, talvez décadas, com vários governantes que negligenciaram pacientes com doenças renais e seu tratamento. Como resultado, os reajustes no valor pago à diálise pelo SUS foram poucos e insuficientes para fazer frente à inflação e à escalada de custos no setor e na saúde em geral. O que piora sobremaneira o cenário é o risco real de desassistência dos 153 mil brasileiros que já estão em tratamento dialítico com o iminente desmonte da rede de assistência aos pacientes em diálise.

Apesar dos desafios, há alguma esperança. A recém-criada Frente Parlamentar da Nefrologia promete dar voz no Congresso Nacional e expressividade à causa dos pacientes renais no Brasil. O adequado financiamento do setor, o incentivo ao transplante renal e à diálise peritoneal —modalidades de tratamento ainda pouco utilizadas—, uma linha de cuidado integral ao paciente com doença renal e a regulamentação da assistência nefrológica e dialítica hospitalar são algumas das pautas necessárias.

No Brasil, a saúde é um direito universal e um dever do Estado. A crise humanitária que atinge os pacientes em diálise é injusta e cruel. Injusta porque afeta pacientes vulneráveis que dependem do SUS e de tratamento para sobreviver. Cruel porque os leva à morte —e da pior forma possível, submetendo-os à incerteza da espera, à hospitalização prolongada, ao sentimento de descaso e negligência do setor público, deixando a sensação, em pacientes e familiares, de que a história poderia ter sido diferente.

Um "crime" sem autor e talvez até sem dolo, mas com responsáveis que precisam resolver a crise humanitária da diálise o quanto antes.

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