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Nelson Ferreira Marques Júnior

A face positiva da polarização política

É um avanço no tecido democrático, não a sua ruína

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Charge publicada na Folha, em 17 de de outubro de 2018, em alusão à polarização política mais raivosa presente no país - Hubert - 16.out.18/Folhapress
Nelson Ferreira Marques Júnior

Em quase todos os veículos de comunicação temos observado críticas contumazes à polarização política e aos danos que ela tem causado à política institucional e à relação entre os três Poderes, profanando inclusive as esferas mais íntimas, como a relação familiar. Mal sabem que, inevitavelmente, este é o caminho a percorrer para construirmos uma sólida democracia, pautada nos ideais da igualdade e liberdade política —por mais instáveis que possam ser.

O problema não é a polarização entre direita e esquerda, mas a forma e a maneira que se apropriaram das incompatibilidades na prática. Jamais confundamos divergências políticas com ataque às minorias, defesa do estado de exceção, repressão às manifestações políticas, postulados de censura prévia aos meios de comunicação, discurso de ódio que atente à vida e irresponsabilidades com o meio ambiente. Não, caro leitor, isso tudo que escrevi é crime; logo, não cabe ser discutido nesses termos.

O esforço retórico para a aniquilação da polarização está apoiado em um ou em múltiplos desejos: obscurantismo político, ingenuidade, manutenção de privilégios ou um projeto de poder unilateral. A construção do conhecimento parte de ideias e projetos opostos que, por meio da dialética, leva a outras ideias e projetos. Gerar consensos sem as polarizações é aceitar sempre o status quo. Política, por natureza, é negociação, conflito e interesses distintos. Acostumemo-nos.

O problema central da democracia não são as polarizações ou multipolarizações, como nos tentam convencer, mas como se governa e como se utiliza o poder por meio das diferentes tonalidades políticas.
Um governo, mesmo sendo eleito democraticamente, pode ser altamente truculento e antidemocrático, carreando a polarização não de ideias, projetos e propostas, mas a estandardização da violência como prática —ou seja, cevar com selvageria, bestialidade e crueldade o pensamento.

O problema do Brasil não é a polarização política, mas como tem sido exercido o poder. Afinal, o exercício do poder, seja ele governamental ou não, requer sustentação em pilares democráticos e apreço pela humanidade. Hoje, quem, em parte, usufrui desse poder temporário está abastecendo a polarização com ódio e não com ideias. 

A saída está no contraponto, na incongruência, no contraste. Sei que as discussões polarizadas geram desconforto e muitas vezes desalento por conta das barbaridades propaladas por aqueles que nos representam ou deveriam. 

Devemos ter serenidade para entender que os polos devem existir, mas não podemos nos contentar com migalhas. Tudo o que o atual Congresso Nacional ambiciona é apagar as chamas constantes do Executivo e obter o consenso político em suas pautas, com menos ruídos e discussões.

Por fim, como diz o ditado popular: “para matar as pragas não precisamos destruir a lavoura” —ainda que o governo seja pouco afável ao meio ambiente. 

Portanto, devemos proteger a polarização política como uma face positiva para o desenvolvimento de uma cidadania participativa, sem deixá-la ser contaminada pelo ódio e pelos discursos generalistas nutridos apenas pelo senso comum. A convivência multipolar dentro dos parâmetros democráticos deve ser seiva de ideias propositivas e nos servir de aprendizado mesmo em tempos sensíveis e de nervos expostos.

Nelson Ferreira Marques Júnior

Doutor em história política do Brasil pela UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)

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