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João Oliveira Silva, Júlia de Almeida Nussenzveig, Lenise Ribeiro da Silva, Lucas Bogéa de Mello Franco e Pedro Henrique Chinaglia

O que mais falta na greve da USP é diálogo

Professores e alunos lutamos juntos pela democracia; não podemos abrir mão dela

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João Oliveira Silva

Diretor de Mobilização do Centro Acadêmico Visconde de Cairu

Júlia de Almeida Nussenzveig

Diretora de Acesso, Permanência e Saúde Mental do Centro Acadêmico Visconde de Cairu

Lenise Ribeiro da Silva

Presidenta do Centro Acadêmico Visconde de Cairu

Lucas Bogéa de Mello Franco

Diretor de Acadêmica do Centro Acadêmico Visconde de Cairu

Pedro Henrique Chinaglia

Tesoureiro do Centro Acadêmico Visconde de Cairu

A sociedade brasileira tem passado por uma metamorfose nos últimos anos: desde um governo antidemocrático até, após sua destituição nas urnas, maior diversidade popular e demanda por inclusão. Nesse sentido, após um período de profunda cisão social no nosso país, temos agora o dever de restaurar as condições democráticas de debate plural como sociedade.

Não haveria por que ser diferente na Universidade de São Paulo, reconhecidamente a melhor universidade da América Latina. A universidade tem enfrentado nas últimas semanas uma greve geral que paralisou toda a USP Capital e, entre as mazelas enxergadas nesse processo está, justamente, a ausência de diálogo.

Manifestantes fazem ato no vão do Masp em apoio à greve na USP - Rubens Cavallari - 5.out.23/Folhapress

A FEA-USP aderiu à greve geral, com pautas USP e próprias à escola, enviadas em carta aberta. Ela trazia reivindicações como um grupo de trabalho para pensar o ensino, com participação paritária entre docentes e discentes, diagnósticos periódicos acerca das condições de permanência, saúde mental e aprendizagem, capacitação dos docentes na temática de saúde mental e maior participação da Comissão de Inclusão e Pertencimento, entre outros. Após relatos de discriminação em sala de aula, fica nítido que são pautas que carecem de avanço. A universidade tem ampliado suas formas de acesso, mas tem muito chão pela frente para incluir o novo quadro estudantil, garantindo sua permanência.

Inicialmente, houve grande intercâmbio de ideias entre a representação dos corpos docente e discente, sendo feitas reuniões diárias para debater as pautas colocadas e, dessa forma, dar fim à paralisação. A greve, nesse sentido, foi não apenas uma interrupção das aulas, mas uma oportunidade de pensar criticamente a faculdade com o intuito de aperfeiçoá-la.

"Não aceitem argumentos de autoridade", diz professor da universidade em carta, e esse é um princípio fundamental da educação. Nesse sentido, na FEA, foram convocadas seis assembleias, com participação de 800 alunos. Houve exposição de diversos pontos de vista, propostas de encaminhamentos, debates e votações. Esse diálogo crítico é a maior conquista do momento histórico que passamos.

Entretanto, em diversos momentos da greve geral da USP houve falhas de diálogo. Há unidades em que a diretoria reclamou da dificuldade em marcar reuniões com representantes estudantis. Já na FEA, houve um compreensível incômodo de professores com posicionamentos de alunos, mas estudantes passaram a ter seguidos pedidos de reunião negados pela diretoria. Apesar de terem proposto um acordo e feito apelos pela volta das conversas, os alunos correram risco de fechamento completo do diálogo e recuo até nos acertos prévios caso não encerrassem a greve.

A indisposição para sentar à mesa, ou seja, para restaurar o debate democrático mencionado no início, é equivocada vinda de qualquer parte, mas se torna ainda mais grave quando é reforçada por uma posição de autoridade. Docentes reclamam, com razão, de faltas de representantes discentes nas reuniões de órgãos colegiados; já os alunos, tem só 10% a 20% de representação em instâncias decisórias da universidade. E foi demonstrado que há quem se aproveite dessa assimetria de poder para fechar a porta ao diálogo quando lhe for conveniente.

Se quiser resolver impasses sem precisar entrar periodicamente em greve, a USP precisará mudar sua estrutura decisória e garantir uma representação menos desigual para estudantes e funcionários —além de entre diferentes grupos de professores. Desde já, é imprescindível ter alunos atentos ao debate institucional e docentes dispostos a escutá-los. Enquanto houver quem se aproveite da posição de autoridade para se impor, outros vão recorrer à ferramenta que tem para responder, a greve, e todos sairão prejudicados.

É hora de a melhor da América Latina fazer jus ao nome e sentar-se à mesa do diálogo. Lutamos juntos pela democracia em nosso país e não podemos abrir mão dela na nossa universidade.

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