A sociedade brasileira tem passado por uma metamorfose nos últimos anos: desde um governo antidemocrático até, após sua destituição nas urnas, maior diversidade popular e demanda por inclusão. Nesse sentido, após um período de profunda cisão social no nosso país, temos agora o dever de restaurar as condições democráticas de debate plural como sociedade.
Não haveria por que ser diferente na Universidade de São Paulo, reconhecidamente a melhor universidade da América Latina. A universidade tem enfrentado nas últimas semanas uma greve geral que paralisou toda a USP Capital e, entre as mazelas enxergadas nesse processo está, justamente, a ausência de diálogo.
A FEA-USP aderiu à greve geral, com pautas USP e próprias à escola, enviadas em carta aberta. Ela trazia reivindicações como um grupo de trabalho para pensar o ensino, com participação paritária entre docentes e discentes, diagnósticos periódicos acerca das condições de permanência, saúde mental e aprendizagem, capacitação dos docentes na temática de saúde mental e maior participação da Comissão de Inclusão e Pertencimento, entre outros. Após relatos de discriminação em sala de aula, fica nítido que são pautas que carecem de avanço. A universidade tem ampliado suas formas de acesso, mas tem muito chão pela frente para incluir o novo quadro estudantil, garantindo sua permanência.
Inicialmente, houve grande intercâmbio de ideias entre a representação dos corpos docente e discente, sendo feitas reuniões diárias para debater as pautas colocadas e, dessa forma, dar fim à paralisação. A greve, nesse sentido, foi não apenas uma interrupção das aulas, mas uma oportunidade de pensar criticamente a faculdade com o intuito de aperfeiçoá-la.
"Não aceitem argumentos de autoridade", diz professor da universidade em carta, e esse é um princípio fundamental da educação. Nesse sentido, na FEA, foram convocadas seis assembleias, com participação de 800 alunos. Houve exposição de diversos pontos de vista, propostas de encaminhamentos, debates e votações. Esse diálogo crítico é a maior conquista do momento histórico que passamos.
Entretanto, em diversos momentos da greve geral da USP houve falhas de diálogo. Há unidades em que a diretoria reclamou da dificuldade em marcar reuniões com representantes estudantis. Já na FEA, houve um compreensível incômodo de professores com posicionamentos de alunos, mas estudantes passaram a ter seguidos pedidos de reunião negados pela diretoria. Apesar de terem proposto um acordo e feito apelos pela volta das conversas, os alunos correram risco de fechamento completo do diálogo e recuo até nos acertos prévios caso não encerrassem a greve.
A indisposição para sentar à mesa, ou seja, para restaurar o debate democrático mencionado no início, é equivocada vinda de qualquer parte, mas se torna ainda mais grave quando é reforçada por uma posição de autoridade. Docentes reclamam, com razão, de faltas de representantes discentes nas reuniões de órgãos colegiados; já os alunos, tem só 10% a 20% de representação em instâncias decisórias da universidade. E foi demonstrado que há quem se aproveite dessa assimetria de poder para fechar a porta ao diálogo quando lhe for conveniente.
Se quiser resolver impasses sem precisar entrar periodicamente em greve, a USP precisará mudar sua estrutura decisória e garantir uma representação menos desigual para estudantes e funcionários —além de entre diferentes grupos de professores. Desde já, é imprescindível ter alunos atentos ao debate institucional e docentes dispostos a escutá-los. Enquanto houver quem se aproveite da posição de autoridade para se impor, outros vão recorrer à ferramenta que tem para responder, a greve, e todos sairão prejudicados.
É hora de a melhor da América Latina fazer jus ao nome e sentar-se à mesa do diálogo. Lutamos juntos pela democracia em nosso país e não podemos abrir mão dela na nossa universidade.
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