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Jorge Luiz Souto Maior, Marcus Orione, Ronaldo Lima dos Santos, Flávio Roberto Batista e Júlia Lenzi Silva

Barricadas como atos de legítima defesa da greve

Quem fere preceitos jurídicos são os que buscam invadir local em greve

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Marcus Orione

Professor do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP

Júlia Lenzi Silva

Professora do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP

Ronaldo Lima dos Santos

Professor do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP

Flávio Roberto Batista

Professor do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP

Jorge Luiz Souto Maior

Professor da Faculdade de Direito da USP e desembargador aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região

Causa perplexidade ver a quantidade de juristas alheios ao direito do trabalho expressando formulações de cunho liberal para combater a greve. Mas a greve está na origem da ordem democrática, dos direitos humanos, do estado social e da Constituição brasileira de 1988.

Na linha dos ataques se chegou a afirmar que só greves ilegítimas fazem uso de barricadas. O argumento traz elemento da ordem jurídica, mas, deslocado de todos os preceitos do direito de greve, revela-se como mera manifestação política, ideologicamente comprometida com o "status quo". Não merece, pois, ser invocada como manifestação de autoridade docente ou jurídica.

Manifestantes fazem ato no Masp em defesa da greve na USP - Rubens Cavallari - 5.out.23/Folhapress

Ora, conforme expresso na Constituição, "é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender". Esse direito, inclusive, foi concebido como direito fundamental. Assim, não se pode pôr em questão a legitimidade de uma deflagração da greve e do uso dos meios necessários para a sua defesa.

O requisito legal para se concluir pela greve é a convocação, por entidade sindical, de uma assembleia. A lei no entanto diz que, na ausência de entidade sindical, a assembleia pode ser convocada pelos próprios interessados. Não há dúvida, ademais, quanto à existência de direito de greve dos estudantes, até porque a paralisação das atividades é o que define a própria greve. Greve é paralisação e paralisação é greve. Não bastasse, no Mandado de Injunção 712 (relator ministro Eros Grau), restou definido que são "constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve: greves reivindicatórias, greves de solidariedade, greves políticas, greves de protesto".

Ainda que se entendesse que aos estudantes não caberia esse direito, seria forçoso concluir que não há nenhuma legislação regulando a situação, e que, portanto, o ato estaria abarcado pelo direito de liberdade, tão aclamado pelos contrários à greve. Os direitos de manifestação e de defender direitos fundamentais não podem ser negados aos estudantes pelo fato de serem estudantes, a não ser que se lhes negue a condição de cidadãs e cidadãos.

As recentes greves na USP (de estudante e de professores) foram precedidas de convocação de assembleias, saindo vitoriosa a posição pela greve. O que não se pode ter por legítimo, portanto, é o ato de quem não compareceu à assembleia ou que, comparecendo, nela se viu vencido pela maioria contestar, por vias tortas, a legitimidade da greve, ainda mais quando sequer pertence à categoria em greve. Uma tal manifestação não é nada além do que um exercício arbitrário das próprias razões.

E mais ilegítimas ainda são as tentativas de imputar aos grevistas a pecha de radicais ou "criminosos". Quem fere preceitos jurídicos são aqueles que buscam invadir os locais cujas atividades estão paralisadas por uma greve. A barricada é, portanto, um ato de legítima defesa, resultado da ação de quem não respeita a deliberação coletiva e o direito fundamental de greve.

Insubsistente, igualmente, a alegação de que somente greves "ilegítimas" se valem de barricadas. O uso de barricadas, piquetes e outras formas de obstar o curso normal das atividades são recorrentes na história das greves. A greve não visa assegurar a normalidade, e sim interrompê-la e colocá-la em debate, trazendo a perspectiva de quem se sente por ela prejudicado.

Nas greves da USP, o que se almeja é o compromisso em torno de efetivas políticas destinadas à melhoria das condições de trabalho e de ensino, por meio de contratações de mais docentes e maiores investimentos públicos na permanência estudantil, da qual são dependentes um sem-número de estudantes, principalmente depois do implemento da política de cotas.

Assim, significa um pleno desvio de realidade a afirmação de que a greve é prejudicial aos próprios discentes. De todo modo, é mais um argumento ilegítimo, pois, como visto, quem define a oportunidade da greve é a assembleia dos diretamente interessados e nela representados.

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