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Camila Lisboa

A greve dos metroviários e suas motivações humanas e trabalhistas

Tenho o dever de organizar a resistência quando os direitos da categoria são ameaçados

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O governador Tarcísio de Freitas, o prefeito Ricardo Nunes e outras pessoas que não me conhecem foram à grande imprensa falar sobre minhas motivações para participar no dia 3 das mobilizações contra as privatizações. Fui até chamada a prestar esclarecimentos na Comissão de Política Urbana da Câmara Municipal após requerimento de Rubinho Nunes (União Brasil), apoiador do prefeito.

Segundo eles, minhas motivações seriam político-partidárias. Eu estaria fazendo greve com meus colegas metroviários, ferroviários e trabalhadores da Sabesp não para reivindicar nossos direitos e os da população aos serviços públicos, mas para antecipar disputas políticas na cidade de São Paulo.

Então, sobre minhas motivações, digo quais são.

Passageiros descem de trens e caminham pelos trilhos após falha que interrompeu circulação em trecho da Linha 9 - Esmeralda - Reprodução/TV Globo

A primeira é humana. Creio não ser necessário ter filiação partidária para sentir empatia em relação a pessoas como Dona Fátima, que, entrevistada no dia 3, foi porta-voz do sofrimento dos trabalhadores que precisam utilizar os trens das linhas privadas de São Paulo, enfrentam o caos e diariamente põem em risco sua integridade física para se locomover. Mães com crianças de colo tendo que andar na brita quando o trem para no meio da via, senhoras já de idade obrigadas a descer do trem quebrado a mais de um metro do chão, fora da plataforma, integridade física dos passageiros ameaçada pela queda do teto da estação, como vimos em Osasco.

Não acho que esse sentimento de empatia e solidariedade seja exclusividade de pessoas filiadas ao PSOL. Qualquer ser humano deveria indignar-se com isso. Me assusta que pessoas com cargos políticos de tamanha relevância não se indignem com as cenas a que assistimos todos os dias nas linhas privatizadas. Lamento que na cabeça deles só existam interesses espúrios.

A segunda motivação é a defesa do meu ganha-pão. Para além da minha filiação partidária, sou agente de estação do Metrô e daí vem o salário que me sustenta. Minha função nas estações é organizar o fluxo de pessoas em horários de pico, auxiliar pessoas com deficiência a se locomoverem, prestar primeiros socorros a quem necessite, liberar catracas para garantir o direito à gratuidade dos idosos, dar informações sobre locais nas imediações, como hospitais e escolas. Busco prestar meu serviço com excelência, apesar de muitas vezes não dar conta, já que faltam funcionários e sobra trabalho.

Passageiros aglomerados fora da estação Autódromo devido a problema na linha 9-Esmeralda, que teve quatro estações fechadas - 30.mai.23/Reprodução/TV Globo

Quem supõe que eu tenha motivações partidárias não sabe que minha função está ameaçada justamente por conta de um edital privatista de terceirização marcado para este dia 10. No último dia 6, ele foi cancelado via liminar. Mas seu cancelamento, uma das pautas da greve, não foi atendido pelo governo. Fiz greve também porque meu posto de trabalho está ameaçado. Se isso não é motivação legítima, o que seria?

A terceira motivação: sou presidenta do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, independentemente da minha filiação partidária. Represento todos os metroviários e metroviárias, mesmo quem não votou na minha chapa. Tanto os de tendência política de esquerda como os de direita, independentemente de em quem votam para prefeito, governador ou presidente. Como representante de uma categoria, tenho obrigação de organizar a resistência quando essa categoria tem seus direitos ameaçados, como agora, com os editais para terceirizações marcados e a privatização anunciada pelo governador.

Não menos importante, o direito de greve e a liberdade de filiação partidária são direitos democráticos. Quem vê nisso um problema precisa lembrar que a ditadura já terminou e que os que querem a sua volta foram derrotados nas últimas eleições.

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