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O que a Folha pensa forças armadas

Gambito do ministro

Flávio Dino deixa na mesa opção equivocada de usar militares na segurança do RJ

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O ministro da Justiça, Flávio Dino - Adriano Machado/Reuters

Certa vez, perguntaram a um exímio enxadrista quantos lances à frente ele enxergava durante uma partida. "Somente um, mas sempre o melhor", ele teria respondido. A boutade, que já foi atribuída a mais de um jogador, serve de alerta para o ministro Flávio Dino (Justiça), às voltas com o grave problema da violência no Rio de Janeiro.

Ao discorrer sobre ações do governo federal para reforçar a segurança fluminense, Dino afirmou que diversas possibilidades têm sido estudadas, sem que se descartasse o uso de militares no policiamento ostensivo.

Talvez para demonstrar cautela e ponderação, o ministro acrescentou uma nota biográfica: "Quando era bem jovem, eu jogava xadrez. A cada jogada, você pensa em dez na frente. Nossa equipe, que são especialistas em segurança pública, define o próximo passo".

É sempre bem-vinda a análise cuidadosa das opções disponíveis no tabuleiro, e a ninguém ocorreria cobrar do ministro que, tal qual aquele exímio enxadrista, enxergasse somente a melhor.

Daí não decorre, contudo, que todos os movimentos mereçam alguma consideração; há muito se sabe que seletividade é a chave para os grandes mestres do xadrez, e o mesmo se diga sobre qualquer processo de tomada de decisão.

Não faz sentido gastar tempo alimentando ideias ruins, como é o caso do uso das Forças Armadas no contexto urbano. Ainda que possam ser chamadas, de forma pontual, para ajudar em situações emergenciais, seu emprego recorrente importa perigos de monta para o conjunto da população.

O mais óbvio é o risco de a caserna sair contaminada depois do contato com o crime organizado. Como o Rio de Janeiro não se cansa de relembrar dia após dia, a cooptação de agentes de segurança constitui triste e antiga realidade.

Há, além disso, ameaças imediatas decorrentes da falta de preparo dos militares para esse tipo de atuação. Entre os inúmeros exemplos trágicos, recorde-se a morte brutal do músico Evaldo Rosa dos Santos em 2019, quando seu carro foi cravejado por 257 tiros disparados por membros do Exército.

De quebra, os últimos anos ensinaram com eloquência que as Forças Armadas têm limites muito claros: quando se distanciam de sua função precípua, a defesa nacional, dão ensejo aos mais diversos tipos de desgaste institucional.

Os governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) recorreram a militares sempre que não souberam como lidar com a segurança pública. É estranho que Dino cogite fazer o mesmo —a menos que, olhando dez jogadas à frente, esteja pensando somente em se aproximar de parcelas conservadoras do eleitorado.

editoriais@grupofolha.com.br

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