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Luiz Felipe da Rocha Azevedo Panelli

Protelar a escolha do PGR é sabotar a Constituição Federal

Imprensa e academia ignoram ataques do governo à estrutura constitucional

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Luiz Felipe da Rocha Azevedo Panelli

Advogado e doutor em direito do Estado pela PUC-SP

Entre os muitos males que Jair Bolsonaro fez ao país, há um que parece ter sido ignorado pela mídia e por boa parte da classe acadêmica. Ao normalizar a balbúrdia institucional, a retórica golpista e a afronta à Constituição, Bolsonaro possibilitou que novos governantes também agissem com desdém —ou franca hostilidade— à ordem constitucional sem que a sociedade civil se mostrasse disposta a censurá-los.

Um exemplo está neste primeiro ano de Lula, em que o Brasil parece vítima de uma anestesia institucional e midiática. Imprensa, academia e até oposição —e a "classe artística", que sempre aderiu ao PT em troca de benesses financeiras— ignoram os constantes ataques do novo governo à estrutura constitucional.

Além da defesa intransigente de ditaduras que violam diuturnamente os direitos humanos, do desastrado ataque ao Tribunal Penal Internacional (uma das maiores conquistas da humanidade, à qual o Brasil pertence) e da obsessão do controle midiático, a novidade do governo Lula é protelar indefinidamente a escolha do novo procurador-geral da República, a fim de manter o Ministério Público sob cabresto, impedindo que tal órgão cometa atos incômodos ao governo.

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Augusto Aras, ex-procurador-geral da República - Pedro Ladeira - 7.jun.23/Folhapress

O procurador-geral da República é peça-chave no arranjo constitucional. Principal litigante no STF, cabe a ele se manifestar em todas as questões constitucionais, além de ter a exclusividade na apresentação de denúncias criminais em desfavor do presidente, salvo nos casos de crime de responsabilidade. Cabe ainda ao PGR pedir ao Superior Tribunal de Justiça a federalização de casos graves envolvendo direitos humanos, impedindo que o conluio de autoridades locais impeça investigações. Por fim, a ele compete pedir a intervenção federal, a fim de garantir o cumprimento da Constituição e a observância dos direitos humanos.

Elizeta Ramos, procuradora-geral da República interina - Evaristo Sá/AFP

É fácil perceber portanto a gravidade do ato do presidente da República. A situação piora quando lembramos que a Bahia vive gravíssima crise de segurança, com violações constantes aos direitos humanos, requerendo atuação imediata do PGR. O governador da Bahia, não esqueçamos, é do partido do presidente.

Lula protelar indefinidamente a indicação do PGR é uma sabotagem constitucional. Fosse tal ato cometido por Bolsonaro, mídia e academia o criticariam de forma incessante (com toda a razão, diga-se). Mas, sendo feito por Lula, a quem boa parte da mídia e da classe acadêmica chamou de "única opção democrática", resta o mais sepulcral silêncio.

É natural que mídia e academia tenham se empolgado com Lula. Bolsonaro se mostrou incompetente, corrupto e de estatura infinitamente menor à requerida pelo cargo. Seus constantes atos de hostilidade à imprensa foram repugnantes; uma imprensa livre, crítica e vigilante é condição necessária para qualquer democracia. Chegou o momento de a imprensa e a academia acordarem.

Bolsonaro é carta fora do baralho e o poderoso Lula governa como quer, ataca as instituições e tenta pôr-se acima de qualquer controle. Se seu plano imoral de protelar indefinidamente a escolha do PGR for bem-sucedido, o sistema de freios e contrapesos da Constituição (que já não é exemplar) deixará de funcionar.

À mídia e à classe acadêmica, digo: acordem, a lua de mel acabou.

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