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Ruth Goldberg

Por que Roger Waters incomoda?

Músico nega a autodeterminação judaica e nunca falou sobre buscar a paz entre israelenses e palestinos

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Ruth Goldberg

Presidente do Instituto Brasil-Israel (IBI)

Desde a apresentação em Berlim, realizada em maio deste ano, o astro britânico de rock Roger Waters se tornou, uma vez mais, centro de um debate que pode ser resumido em uma pergunta: Waters é ou não é antissemita?

Na capital alemã, com todo simbolismo que isso representa, o artista usou trajes que remetem à SS, a polícia nazista, e projetou imagens de Anne Frank, vítima do nazismo, e Shireen Abu Akleh, a jornalista palestino-americana que morreu durante uma cobertura do conflito entre Israel e Palestina, equiparando os casos.

A opção estética pela roupa, usada pelo artista há anos nas apresentações, e semelhante ao figurino original do filme "The Wall", de 1979, é justificada pelo próprio músico como marca de sua militância, em uma crítica a ditadores e nazistas.

O cantor britânico Roger Waters durante show da turnê "This is Not a Drill", em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

O elemento é central porque foi isso principalmente que trouxe a discussão à tona, e é, ao mesmo tempo, o argumento para os defensores e fãs negarem qualquer antissemitismo de Waters —o que é inverossímil, pois o ponto crítico de Roger Waters com os judeus vai muito além do figurino.

O artista coleciona declarações em que fala sobre um suposto "lobby judaico". Em 2013, ele afirmou que "o lobby judeu é extraordinariamente poderoso aqui e particularmente na indústria em que trabalho, a indústria da música".

Falas como essa propagam a ideia do judeu como um ser poderoso, controlador do mundo, conspiracionista, na melhor tradição do antissemitismo clássico.

Em shows, Waters já usou um balão em forma de porco com uma estrela de David e símbolos que remetem a ditadura e dominação global estampados, o que perpetua estereótipos judaicos nocivos por meio de seu uso de imagens e simbolismo.

Justamente o porco, um animal que rompe com os termos da "kashrut", lei judaica referente à alimentação, historicamente utilizado como forma de desumanizar os judeus.

Quando o componente do antissemitismo de Roger Waters é levantado, a principal forma de refutá-lo é dizer que o artista é alvo de perseguição por ser um crítico do Estado de Israel. Os elementos acima provam que sequer é preciso citar o país para levantar o antissemitismo de Waters.

Mas, inegavelmente, é preciso falar de Israel, do qual o ex-Pink Floyd é amplamente crítico.

O artista diz, por exemplo, que o tratamento israelense aos palestinos é igual ao da Alemanha nazista aos judeus.

Em termos de História e conceito, não se pode comparar um genocídio sistemático de 6 milhões de pessoas inocentes (judeus, ciganos, homossexuais, negros, dissidentes políticos, deficientes físicos, intelectuais e outras minorias) a um conflito territorial entre dois povos, terrível como seja —e do qual Israel não está isento de críticas.

É preciso esclarecer que criticar o Estado judeu, ou os seus governantes, não é, necessariamente, ser antissemita. O Instituto Brasil-Israel, por exemplo, tem se posicionado criticamente em relação a posições do governo em algumas questões.

Somos absolutamente contrários à reforma judicial proposta pelo governo atual, que mina diretamente os princípios democráticos.

Criticar Israel, em suma, não é ser antissemita. O antissemitismo-antissionista reside na ideia de que o povo judeu —e apenas ele— não tem direito à autodeterminação e, assim, a um Estado.

Os judeus não são meramente um grupo religioso, mas um povo. Assim como o povo palestino e assim como outros. E, nesse sentido, têm direito a um lar nacional. É nisso que acreditamos.

Mas, mediante a postura de que apenas o povo judeu deveria ser privado desse direito, o antissemitismo aparece.

Nas palavras de Roger Waters, "o sionismo é uma mancha feia e que precisa ser gentilmente removida por nós". O artista, então, declara que a ideia de autodeterminação do povo judeu representada pelo sionismo é, em si, problemática. Compara Israel a uma doença. E propõe seu extermínio. Categorias típicas do antissemitismo tradicional.

Convenhamos, Roger Waters nunca falou sobre a busca pela paz entre israelenses e palestinos. Nunca falou sobre a ideia da construção de dois Estados para dois povos, da qual o Instituto Brasil-Israel é partidário. Optou por atacar os judeus, com base em teorias conspiratórias antissemitas, e negar constantemente o direito à autodeterminação judaica.

É isso o que nos incomoda. E é isso que deve incomodar a todos os que lutam pela igualdade, democracia e soberania.

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