Que o modelo de sociedade brasileira almejada quando da colonização era o homem como líder, protagonista e detentor do poder, conferindo à mulher um status de mero acessório, resultando nos dados de violência contra a mulher que ainda hoje são assustadores, a gente já sabe.
Mas de que mulheres nós estamos falando? Essa mulher vista como acessório e coadjuvante era a mulher não negra. A mulher negra, apesar de, sim, ser uma mulher, não era vista como tal, mas apenas como "uma negra". O significa que, apesar de toda mulher sofrer com a discriminação de gênero, a mulher negra ainda padece da discriminação de raça, o que a coloca até hoje em posição de dupla vulnerabilidade. Assim, não é aceitável que se fale em violência contra a mulher sem que o racismo esteja na mesma mesa.
Nesta semana foi noticiada a prisão de um homem branco que teria ceifado a vida de sua namorada, uma mulher negra que estava grávida. Segundo a polícia, ela se recusou a fazer um aborto, e ele não aceitava ter um filho que tivesse características negras.
Trata-se de um evidente caso de feminicídio motivado pelo racismo, mas igualmente nos traz um alerta sobre o quanto esse discurso universal que enfrenta a violência contra a mulher reduz o alcance de políticas públicas que protejam de fato todas as mulheres e não apenas uma parte delas.
Os dados do Fórum de Segurança Pública disponibilizados neste mês demonstram que, por mais um ano, as mulheres que mais foram mortas por feminicídio (61,1%), violentadas (45%), estupradas (56,8%) e assediadas (49,1%) foram as mulheres negras, demonstrando a ausência de recorte racial na mesa que fomenta a política pública de prevenção da violência contra a mulher.
Enquanto a dupla vulnerabilidade da mulher negra continuar fora do debate de gênero, as estatísticas continuarão inalteráveis. É como disse a autora negra Sojourner Truth: "E eu? Eu não sou uma mulher?".
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