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Helena Bertho

Quem está na sala desenhando o futuro?

Diversidade não é problema a ser resolvido, mas fortaleza a ser alavancada

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Helena Bertho

Publicitária, vencedora do Prêmio Caboré e considerada uma das 100 pessoas negras mais influentes do mundo pela ONU, é diretora global de Diversidade e Inclusão do Nubank

A pergunta deste artigo pode parecer simples, mas a resposta, nem tanto. Estudos no Brasil e no exterior têm apontado que esta sala está ainda muito distante de ser plural, justa e inclusiva.

Recente pesquisa "Women in the workplace 2023" ("Mulheres no local de trabalho 2023"), da consultoria McKinsey e da LeanIn, mostra como o mercado de trabalho, assim como no Brasil, é desigual em economias mais desenvolvidas.

A publicitária Helena Bertho na cerimônia de entrega do prêmio "Empreendedor Social 2023", em São Paulo - Mathilde Missioneiro/Folhapress - Folhapress

Em países como Estados Unidos e Canadá, por exemplo, em cada 100 homens promovidos a gerentes, 87 mulheres tiveram promoção semelhante. Quando falamos de executivas negras, são 73 para 100 em 2023 (ante 82 em 2022).

Esta Folha publicou no dia 6 de outubro um trabalho do ID_BR (Instituto Identidades do Brasil) mostrando que uma criança nascida no Brasil em 2023 não vai vivenciar igualdade racial no mercado de trabalho.

A perspectiva é assustadora: precisaremos de 167 anos para um equilíbrio de oportunidades entre profissionais negros e não negros. Ou seja, em 2190. Todos nós queremos viver muito, mas é pouco provável chegarmos a 2190.

Dado igualmente preocupante é o relatório do Fórum Econômico Mundial apontando que, organicamente, se nada for feito, mulheres alcançarão equidade salarial e posição profissional em relação aos homens em 132 anos. Mudar esse cenário demanda esforço para reconhecer um problema histórico e endereçá-lo.

Sem intencionalidade, as estimativas acima não serão reduzidas. É preciso não mais naturalizar as ausências e também avaliar qual o impacto que a falta de diferentes perspectivas, origens e vivências traz para as organizações e a sociedade.

Se você chega em uma mesa e está todo mundo concordando, alguma coisa pode não estar certa. A inovação, por exemplo, não necessariamente nasce no consenso, mas na inconformidade, na coragem de fazer perguntas e questionar o que está posto. Outro ponto importante: é um equívoco tratar de diversidade como um assunto da moda. Diversidade é sobre pessoas, e pessoas não estão na moda. Elas existem com suas demandas e aspirações. E essa conversa nem é nova; portanto, não dá para dizer que seja uma tendência, mas, sim, uma discussão sobre futuro.

Dados do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) indicam que uma mulher negra deve trabalhar 55 minutos a mais para ganhar o mesmo que um homem branco em uma hora de trabalho —um homem negro precisa de 45 minutos extras. E mais: a média por hora trabalhada entre os negros é de R$ 11 para homens e R$ 10 para mulheres —enquanto homens brancos recebem R$ 19 e mulheres, R$ 17.

É preciso que líderes atuem com intencionalidade para gerar as transformações necessárias e evitar que o Brasil perca talentos que não estão sendo considerados pelo único fato de serem quem são e não aproveite todo seu potencial criativo e inovador que só um país multicultural como o nosso tem.

As organizações precisam trazer resultados e também gerar impacto positivo. Não são ideias antagônicas. São elas que garantirão a sustentabilidade nos negócios em um mundo de tecnologias exponenciais, cocriação e em constantes transformações na comunicação.

Diversidade não é um problema a ser resolvido, mas sim uma fortaleza a ser alavancada. A jornada é longa, os desafios são muitos, mas também há avanços significativos e sinais positivos adiante. Por exemplo, de acordo com relatório da Accenture, as empresas norte-americanas estão deixando de lado oportunidades de US$ 1,05 trilhão por não serem mais inclusivas.

Pelo menos 56% da população brasileira se declara negra e mais da metade do Brasil é formado por mulheres. Quem está tomando as decisões que impactam nosso futuro? Os maiores grupos demográficos deste país?

Como disse Ariano Suassuna, nem otimistas nem pessimistas, devemos ser "realistas esperançosos". Inovar passa por projetar futuros antes impensados, mas só há futuro possível se couberem todas as pessoas. Provavelmente não sentaremos à sombra das árvores que estamos plantando hoje, mas as próximas gerações, certamente sim.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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