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Paula Nunes

Maternidades aprisionadas

Falta de assistência adequada a gestantes é chaga no sistema carcerário

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Paula Nunes

Deputada estadual pela Bancada Feminista do PSOL em São Paulo, é advogada criminalista e defensora de direitos humanos

Minha tarde de certa segunda-feira começou com o seguinte diálogo:
— Deputada, me ajuda, eu estava fazendo pré-natal antes de ser presa, mas quando cheguei aqui fizeram "exame de tirinha" e deu negativo. Estão me tratando há meses como se eu não estivesse grávida. Nunca me encaminharam para consulta ou ultrassonografia, por mais que eu tenha insistido.
— Mas você está grávida de quanto tempo?
— Sete meses.
— Você sente o bebê mexer?
— Todos os dias.

Descobrir-me grávida foi uma das maiores alegrias da minha vida. Com 30 anos e uma vontade intensa de ser mãe, lutei para, com apoio do meu parceiro e da minha família, conciliar a gestação com a atividade parlamentar. Viver em rede é fundamental. Assim, ao longo de sete meses de gestação, combinei sessões plenárias, reuniões de comissões, CPIs, agendas externas e viagens interestaduais com consultas médicas mensais, hemogramas, ultrassonografias obstétricas e morfológicas, alimentação regrada e horas de sono possíveis. Nunca tinha imaginado viver minha gestação de outra forma —até o encontro com essa mulher.

Como convidada do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, visitei o raio de mulheres gestantes presas no CDP de Franco da Rocha (SP). De acordo com informações da direção do presídio, eram então 12 gestantes distribuídas em 9 celas, convivendo também com presas não gestantes.

Conversei com muitas dessas mulheres, de diferentes tons de pele, idades, religiões e histórias. Apesar da diferença, todas têm algo em comum: a falta de assistência à gestante no sistema penitenciário.

Ginecologista? Não tem. Monitor cardíaco fetal? Está quebrado. Ácido fólico? No máximo, se a família mandar. Há mulheres com seis meses de gestação que nunca passaram por consulta obstétrica. Não mais do que uma única consulta com o clínico geral. As presas ingerem quase sempre comida estragada: feijão com caramujo e leite fora da validade são alguns exemplos. A água que vem direto da caixa-d’água para a cela tem larvas. Ninguém me contou, eu vi. Não há refeição adicional para grávidas, apenas as três refeições por dia garantidas a toda a população prisional. Nas celas, convivem com ratos, aranhas, pombos e lagartos.

Se alguma delas tem a sorte de passar por consulta médica, precisa "pagar peladão" na inspeção de volta ao CDP: tirar toda a roupa, agachar várias vezes, abrir as partes íntimas. Precisa também passar pelo scanner corporal, cuja radiação não é recomendada a grávidas.

O Ministério da Saúde prevê a realização de no mínimo seis consultas durante a gestação, além de ultrassonografia, hemograma e teste glicêmico. Tudo isso é garantido pelo SUS, para todas as pessoas que gestam. Só as presas não têm essa garantia ou escolha.

Voltei para casa exausta, com o corpo doendo e com o útero que carrega um bebê mais pesado do que nunca. Na minha cabeça, uma única convicção: quem pensa que prisão é hotel, com certeza nunca pisou em uma. Quem pensa que maternidade é um direito, com certeza nunca conversou com mulheres gestantes presas.

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