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Felipe Martins Pinto

É positiva a criação de um exame nacional para candidatos a juízes? NÃO

Modelo ignora peculiaridades

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Felipe Martins Pinto

Professor de processo penal da Universidade Federal de Minas Gerais

O Conselho Nacional de Justiça publicou em 14 de novembro de 2023 a resolução 531, que altera a resolução 75/2009, para instituir o Exame Nacional da Magistratura como pré-requisito para a inscrição nos concursos da magistratura, "de modo a garantir um processo seletivo idôneo e com um mínimo de uniformidade".

A presente reflexão se debruçará sob dois argumentos centrais: o fundamento da própria resolução do conselho e a missão do CNJ.

Sob o primeiro prisma, a resolução indica um declarado e pertinente propósito de valorizar mais a vocação para a atividade judicante em vez de uma singela capacidade de memorização de conteúdos.

O fundamento indicado como propósito do exame induz o leitor a ansiar por uma seleção de ingressos conectada ao multiculturalismo, ao pluralismo e aos regionalismos.

A expectativa criada acaba por agravar a frustração quando se depara com a regulamentação de um exame, cuja proposta pode ser representada pela tarefa de se observar o mundo por uma fenda.

Opta-se por centralizar: a elaboração de questões idênticas para interessados em concorrer à vaga de magistrado em todo e qualquer tribunal do país, independente da matéria de competência ou do estado em que se localize, compromete a qualidade na aferição de vocação, pois ignora peculiaridades e circunstâncias próprias do local e da área jurídica de atuação do órgão jurisdicional.

A elaboração concentrada em uma comissão nacional vulnera o desiderato de se aferir a vocação na densa e ciclópica realidade de um país desigual na educação, na geografia e na economia, diverso na cultura.

Audiência de julgamento na 3ª turma do TRF-SP - Rubens Cavallari/Folhapress

Felizmente, tem-se avançado no sentido de superar o mito da neutralidade do juiz, instituto esculpido sob os dogmas de um modelo teocrático de Estado, mas será um retrocesso estruturar uma seleção inspirada na mesma artificial concepção, a partir de uma ingênua visão de que a vocação para o exercício da magistratura se afere desconectada do entrecho e do contexto.

Some-se ainda o segundo aspecto proposto como pilar desta análise da impertinência do exame nacional da magistratura, atinente à missão do CNJ, a quem incumbe a promoção do desenvolvimento do Poder Judiciário a partir do estabelecimento de políticas judiciárias além do controle da atuação administrativa e financeira.

Desde sua constituição, sempre se manteve bem delimitado o âmbito de intervenção das iniciativas do conselho, cujas ações não podem interferir na autonomia jurisdicional dos membros do Poder Judiciário.

O formato proposto para a pré-seleção dos ingressos na magistratura não ingere diretamente na atividade judicante, mas representa uma seleção que, por mais isenta que possa ser, sempre contemplará um certo viés ideológico, seja pela seleção de conteúdos exigidos, seja pela escolha da teoria a partir da qual se definirá a resposta de cada questão.

Para concluir, a busca por mecanismos capazes de aferir a vocação e a aptidão para ingresso não apenas na magistratura, mas em todas as funções e cargos públicos, sempre será bem-vinda e celebrada, mas se deve manter uma vigilância dedicada para não se adotarem metodologias que, a pretexto de alcançar nobres propósitos, possam vulnerar a autonomia das instituições, fragilizar o federalismo ou abalar nossa essência democrática.

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