Descrição de chapéu
Nayara Bazzoli

Jovens da periferia são potenciais desperdiçados

Empresas precisam despertar para esse potencial negligenciado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Nayara Bazzoli

Gerente do Juventudes Potentes, organização liderada pelo Instituto Aspen e articulado pela United Way Brasil

Certa vez, um jovem que atendemos na organização teve a oportunidade de participar de processo seletivo em uma grande empresa. Para ele, essa representava a chance de finalmente ter um emprego formal, digno, que poderia mudar sua vida, marcada por uma série de vulnerabilidades sociais.

Ele morava no extremo leste da cidade de São Paulo, se arrumou para a ocasião, fez todo o longo trajeto até a empresa e, ao chegar ao edifício, deparou com um obstáculo até então inimaginável: acessar o elevador.

Sem nunca ter visto um modelo tão sofisticado, em que a tecnologia te direciona para qual caminho seguir, ele não soube pegar o elevador e, envergonhado, decidiu voltar para casa, sem realizar aquela que poderia ter sido sua porta de entrada para um mundo de perspectivas profissionais.

Essa é uma história verdadeira que, infelizmente, faz um pequeno recorte da série de dificuldades que milhares de jovens das periferias brasileiras enfrentam no mundo do trabalho e que está fora do radar das empresas.

São lacunas de vivências pessoais, como essa, que impedem muitas vezes as potências de ocuparem espaços e se desenvolver. Na situação relatada, teria sido suficiente esse jovem ser recepcionado por uma liderança da empresa em que ele se reconhecesse, que lhe desse segurança para seguir naquele momento inicial. A grande maioria das empresas não sabe quem são esses jovens, quais suas inseguranças, dificuldades e anseios, o que poderia ajudá-los a se inserirem no mundo corporativo.

Temos na cidade de São Paulo 765 mil jovens entre 15 e 29 anos que têm suas vidas atravessadas por uma série de injustiças estruturais, as quais os impedem de permanecer na escola, conseguir empregos formais e se desenvolver. São os chamados jovens-potência, que, com políticas públicas direcionadas, ações intersetoriais e engajamento empresarial poderiam mudar suas vidas e gerar um retorno médio de R$ 2 bilhões para o Produto Interno Bruto (PIB) da capital paulista, segundo cálculo do Juventudes Potentes e da Accenture, em 2020.

A pesquisa recente "Injustiças estruturais entre jovens na cidade de São Paulo" ouviu 600 desses jovens e trouxe um retrato de suas vidas e obstáculos. Quase 40% já têm filhos, 71% são negros, 21% interromperam os estudos e 68% já ficaram sem dinheiro para pegar transporte público. São vidas atravessadas por múltiplas adversidades e imposições sociais, agravadas por outros fatores que dificultam uma inserção adequada no mundo do trabalho. Eles dizem, por exemplo, que se veem em desvantagem por haver poucas vagas de emprego formal perto de onde moram, por terem baixa qualificação profissional e devido à concorrência injusta e discriminação das empresas. O preconceito é outro fator: eles se sentem subestimados por conta do lugar onde vivem e estudaram. São questões que ainda passam à margem da preocupação de muitas empresas.

Os próprios jovens-potência têm clareza do que poderia ajudá-los: formação para o trabalho, políticas públicas de incentivo à inclusão produtiva, mudança de cultura das empresas para que acolham o jovem trabalhador desde o processo seletivo e garantam, posteriormente, condições favoráveis ao seu desenvolvimento, novas dinâmicas de trabalho pensadas em jovens periféricos, entre outras ações que contemplem a diversidade de vivências sociais dessa população.

O caminho está dado. Falta ainda às empresas despertarem para esse potencial negligenciado, revendo suas práticas e políticas para abrir portas e sustentar a permanência desse jovem no mundo do trabalho. Não podemos continuar normalizando as injustiças estruturais que afastam tantos jovens de um futuro promissor.

Cada jovem é responsabilidade de toda a sociedade. Precisamos elevar toda essa potência hoje desperdiçada.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.